Isaura Morais rompeu o silêncio de uma cidade ao dizer-se vítima de maus tratos

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Câmara de Rio Maior: na cidade, todos louvam a coragem da autarca MIGUEL MANSO

O centro de Rio Maior está quase deserto nestes primeiros dias de Agosto. Grande parte da população (cerca de 20 mil habitantes) ruma para as praias de São Martinho do Porto, Foz do Arelho e Nazaré. Aqueles que ficam vêem-se em algumas das esplanadas dos cafés, logo após o almoço. E há alguns dias que se habituaram a ver jornalistas pelas ruas da cidade. "É um meio pequeno, toda a gente se conhece", diz Maria José Figueiredo, jurista na Junta de Freguesia de Rio Maior. E toda a gente há muito que rumorejava sobre a vida privada de Isaura Morais, a presidente da câmara de 44 anos, que, nas eleições de Outubro do ano passado, derrubou Silvino Sequeira, do PS. Nessa altura, "Zami", como é carinhosamente conhecida na cidade, foi notícia na imprensa nacional: pôs fim a 24 anos de executivo socialista e cessou o jejum social-democrata em Rio Maior, alcançando, em coligação com o CDS/PP, uns invejáveis 49,21 por cento dos votos.

No passado domingo, a fotografia de Isaura Morais foi publicada em três jornais nacionais (DN, JN e Correio da Manhã) e, em menos de meia hora, os diários esgotaram na Casa dos Jornais, estabelecimento aberto há 35 anos por António Rodrigues, situado a poucos metros do edifício da câmara municipal. As notícias quebravam um segredo com cinco anos: vítima de violência doméstica, Isaura Morais apresentou queixa contra o seu companheiro, Alexandre da Costa Fonseca, na Polícia Judiciária de Leiria, na sexta-feira anterior. Na sequência de uma busca à sua casa em Rio Maior, os inspectores encontraram nos pertences de Alexandre duas armas de fogo e duas catanas.

O homem foi primeiramente levado para o posto da GNR da Benedita e depois interrogado no Tribunal Judicial de Peniche - constituído arguido, saiu em liberdade com termo de identidade e residência. Desde então, nunca mais ninguém o viu pelas ruas da cidade - "seria morto, se aqui aparecesse", afirma um jovem rio-maiorense, que acrescenta que Alexandre é tido em Rio Maior como um "zero à esquerda", a quem não se conhece qualquer profissão, adepto de "negócios obscuros". Há quem aposte que ele escondeu-se numa casa em São Martinho do Porto; outros apontam que poderá estar nuns antigos armazéns de gelo, que eram propriedade do pai.

Isaura foi vista há três dias perto do seu apartamento, numa das principais avenidas de Rio Maior. Alguns jornais noticiaram que teria ido de férias para o Algarve. Mas os habitantes ouvidos pelo PÚBLICO preferem dizer que ela se encontra "em parte incerta", acompanhada por "seguranças", depois de ter recebido "ameaças de morte".

A denúncia de maus tratos feita pela presidente da câmara só terá apanhado de surpresa os mais distraídos, asseguram vários habitantes. Porque Isaura Morais acabou também por tornar público um assunto que a população partilhava sigilosamente - "o povo já sabia e ninguém queria falar no assunto; falavam entredentes", nota António Rodrigues, de 71 anos. "Admiro-lhe a coragem de ter aguentado tantos anos pacificamente. Mas agora falou e isso é muito importante", comenta.

Quase "toda a gente" adivinhava que a má reputação do ex-companheiro de Isaura teria de ter este género de consequências. Até porque na cidade consta que Alexandre é reincidente em casos de violência doméstica: já teria cometido maus tratos sobre a mulher com quem se casou, há alguns anos, e terá sido a violência a motivar o divórcio. Mas o conhecimento sobre os maus tratos infligidos sobre Isaura Morais não foi apenas dedutivo.

Na campanha para as autárquicas, ainda em Setembro de 2009, os rumores tornaram-se mais ruidosos e foram introduzidos no combate político. Segundo alguns habitantes, o PS terá tentado utilizar a história para travar a crescente simpatia do eleitorado face à candidata do PSD, que já conquistara muitos eleitores devido ao seu trabalho na presidência da Junta de Freguesia de Rio Maior.

As alegadas intenções do PS não passaram disso mesmo, apesar de a intriga ter sido cuidadosamente plantada em lugares de convívio e conversa (lojas e cafés, sobretudo). "O povo gosta muito dela", diz António Rodrigues. E depois das notícias do passado fim-de-semana, "a população manifestou-se solidária e preocupada com ela", afirma Maria José Figueiredo, que, embora tenha trabalhado diariamente com Isaura Morais na junta de freguesia, de 2005 a 2009, admite ter ficado "surpreendida e chocada" com o caso. "Mas os maus tratos não são só físicos", remata, preferindo não responder a mais perguntas.

Em Rio Maior, todos louvam a coragem de Isaura Morais e acreditam que a autarca "tem competência para se organizar e deitar para trás esse passado".

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