Frank Miller criou herói contra a Al-Qaeda

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The Fixer, um novo super-herói

The Fixer é o herói de uma Empire (New York) City pós-11 de Setembro. Era para ser Batman, mas os atentados geraram um novo antídoto contra o trauma do terrorismo

No mundo pós-11 de Setembro, as mudanças são tão óbvias quanto duas guerras em curso e tão prosaicas quanto o aumento dos filmes de super-heróis. Os comics e seus derivados têm reflectido a pressão do terrorismo e agora um dos mais importantes autores de BD americana, Frank Miller, anuncia que tem em gestação um novo herói, uma espécie de Dirty Harry contraterrorista.

Inicialmente, seria Batman. Esse mesmo, que Frank Miller (Sin City, 300) ajudou a enegrecer com a sua escrita em The Dark Knight Returns, ia combater a Al-Qaeda numa novela gráfica intitulada Holy Terror, Batman! Os planos mudaram, disse Miller nesta sua fase pós-The Spirit, a sua desastrosa adaptação cinematográfica de uma obra de Will Eisner.

Ao jornal Los Angeles Times, o autor explicou que está quase a terminar Holy Terror com novo protagonista - The Fixer, já sem a DC Comics de Batman. "Decidi a meio [da feitura do livro que está a desenhar e escrever] que não é uma história de Batman. O herói é muito mais próximo de Dirty Harry do que de Batman. É um novo herói que criei e que combate a Al-Qaeda."

Não é em Gotham, a Nova Iorque da DC que a Marvel nunca maquilhou para os seus Homem-Aranha ou Capitão América, mas em Empire City que The Fixer vai agir contra a rede mundial terrorista islâmica de Bin Laden. O autor vai terminar o livro e só depois procurar editora para 2011.

A DC, diz o LA Times, estaria pouco entusiasmada com mais uma arriscada incursão de Miller sobre Batman - apesar do sucesso de The Dark Knight Returns e dos ecos que até hoje ele deixou na cultura popular, acompanhado por Watchmen de Alan Moore, no questionamento da figura dos heróis mascarados. "O meu tipo tem armas e luta contra uma ameaça existencial. Não está só perante um vilão apalhaçado. Já levei Batman tão longe quanto ele podia ir", diz Miller. O seu tipo é The Fixer, "um aventureiro que estava em busca de uma missão".

"Foi treinado nas forças especiais e, quando a sua cidade é atacada, de repente tudo faz sentido [para ele] e todo o seu treino pode ser usado no terreno. É diferente de Batman no sentido em que não é uma alma torturada. É uma criatura muito mais bem ajustada apesar de, ao longo da história, matar a tiro cem pessoas", diz Miller.

Holy Terror "começou como a minha reacção ao 11 de Setembro e era uma obra extremamente zangada", continua. O tempo e os filmes passaram e a distância permitiu-lhe mais coesão.

Quão reais os super-heróis?

Dez anos depois, a sombra do 11 de Setembro abate-se então oficialmente sobre os comics - mas os atentados de 2001 já tinham marcado a BD americana, cujos super-heróis são quase um panteão para um país jovem que não absorveu uma mitologia fundadora como aconteceu na Europa ou na Ásia, por exemplo. Os comics reflectem o seu contexto e, nos anos 40, o Capitão América só queria saber de Adolf Hitler e das SS. Foi criado em 1941 exactamente como uma arma antinazis, antes mesmo de os EUA entrarem na II Guerra.

Na BD das duas grandes editoras (Marvel e DC) houve, no pós-11 de Setembro, "um reassumir, por exemplo, do Capitão América como o lado yang da América - republicano, ao ataque, conservador, pró-activo no combate", explica João Lemos, autor que assinou três títulos para a Marvel como ilustrador e guionista.

Já o Homem-Aranha "representa o bom nova-iorquino, o lado das famílias, da diversidade, dos bombeiros e polícias caídos", prossegue. "O Capitão América tem uma máscara que mostra o queixo nórdico-ariano e os olhos azuis. O Homem-Aranha é o every man, não se lhe percebe a raça, não é maior que um adulto normal e usa o humor." Hoje "há uma noção de big picture no espectro, ainda assim de nicho, dos super-heróis da Marvel".

João Lemos enquadra também a decisão de Miller no momento actual de debate, no meio dos comics, sobre quão realistas devem ser os super-heróis. "Há no incorporar de um evento como o 11 de Setembro um problema base", enuncia. "Dois aviões contra o World Trade Center? É um acontecimento demasiado inconsistente com a escala de poder de um super-herói [que deveria poder evitá-lo]. Penso que Miller percebeu que, se o objectivo era imprimir algum realismo, usar o Batman era nadar demasiado fora de pé."

Com o filão dos filmes de super-heróis a alimentar uma tendência forte nos anos 90 - e que cresceu exponencialmente nesta primeira década do século XXI -, há filmes, séries de TV (como Heróis, em que se evita uma explosão arrasadora em Nova Iorque) e livros a servir de espelho com superpoderes para o trauma do terrorismo.E a galvanizar heróis reais. "Tanto Batman - O Início quanto O Cavaleiro das Trevas [os dois Batman de Christopher Nolan] tentam explorar e mitigar o trauma e a ansiedade associados aos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001", argumenta Joshua Feblowitz, licenciado de Harvard em História e Literatura e estudante pós-graduado de Escrita Científica no Massachusetts Institute of Technology, num artigo publicado no final de 2009.

E no segundo de dois comics lançados pela Marvel no final de 2001 e no início de 2002, em tributo aos heróis de 11 de Setembro, Rudolph Giuliani, o mayor de Nova Iorque durante os atentados, escreve: "Penso que agora nos apercebemos de que não temos de ler ficção para encontrar exemplos de heroísmo. Os verdadeiros heróis da vida americana estiveram sempre connosco."Referia-se aos bombeiros e polícias de Nova Iorque.

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