S. Torcato inspira tese de doutoramento

Nos anos 1980, o ministro da Defesa Nacional, Augusto Santos Silva, então assistente na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, andou por São Torcato, um "extraordinário laboratório" de "grande riqueza sociológica e religiosa", a fazer pesquisa para a tese de doutoramento Tempos cruzados: um estudo interpretativo da cultura popular, que apresentou no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa em 1992. O enquadramento eram as transformações culturais que ocorrem quando sociedades camponesas passam a industrializadas e nada como o Vale do Ave para verificar isso. Mais: nada como São Torcato, uma vila que guarda o "corpo dum santo supostamente incorrupto que ninguém sabe exactamente quem é e em que houve recorrentemente resistência popular ao arcebispo de Braga", diz o autor. Ao longo destes dias, em que vê nas notícias a contestação das pessoas à transferência do padre Fernando, Santos Silva tem a sensação de déjà vu: "Já vi aquilo quando andei nos arquivos no Porto e em Guimarães a estudar os motins por causa das tentativas de Braga e de Guimarães de levar o corpo. O santo é quase da família, há uma relação física próxima e uma enorme apropriação colectiva sobre os símbolos religiosos." Ali, os tempos cruzam-se: da pessoa mais velha à mais jovem, toda a gente "tem no espírito uma forma de reacção", uma "memória" de resistência. É "em torno dos símbolos religiosos que acontece a aculturação das pessoas, dos jovens" e, seja pelo santo ou pelo padre, eles lutam, porque "a religião é um quadro de interpretação do mundo". M.J.L.

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