Americanos querem sair e exploram a via paquistanesa

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Ban Ki-moon, Karzai e Clinton: a reabilitação de um Presidente SHAH MARAI/AFP

Os cenários de fim da guerra passam, uma vez mais, por convencer os taliban a negociar graças a uma mediação regional

As forças afegãs garantirão a segurança em todas as províncias do país em 2014, visando uma retirada gradual dos soldados estrangeiros, tal é a principal conclusão da conferência internacional de doadores que ontem se reuniu em Cabul. O Presidente Hamid Karzai, que avançara essa proposta, surge como vencedor do dia. Além de mais fundos, recebeu apoio para a sua política de "mão estendida" aos taliban visando a "reconciliação nacional". Os EUA parecem querer acelerar o calendário de retirada, apostando no envolvimento do Paquistão.

Karzai prometeu rápidas reformas institucionais e o combate à corrupção em troca de mais ajuda internacional. O seu Governo passará, em 2012, a distribuir 50 por cento desses fundos, através do orçamento, contra os actuais 20. Após o escândalo da "fraude eleitoral" no ano passado, que lhe valeu a condenação internacional, reentra pela porta grande.

A conferência, co-presidida por Karzai e pelo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, reuniu mais de 70 países e organizações, realizando-se pela primeira vez na capital afegã, sob drásticas medidas de segurança.

Hillary Clinton qualificou-a como um ponto de viragem "sem precedentes", que permitiu a adopção de um plano para o futuro do Afeganistão. Em relação ao calendário, anotou: "Exprime tanto o nosso sentido de urgência como a força da nossa determinação. O processo de transição é demasiado importante para ser adiado indefinidamente." O MNE britânico, William Hague, manifestou optimismo quanto à aplicação do plano e, em Washington, David Cameron considerou o calendário "realista".

Mais pessimista é o jurista afegão Daud Sultanazoi. Disse à Reuters que o calendário é louvável, mas pode não passar de um wishful thinking. "Numa perspectiva realista, é um objectivo bom e necessário. Mas, em termos de concretização, há demasiadas questões a que é preciso responder antes de se poder avançar com um calendário."

Falar com os taliban

Os aliados da coligação não querem mostrar pressa, mas a guerra afegã é crescentemente impopular nas opiniões públicas ocidentais. O mês de Junho foi o mais mortífero de toda a guerra, sem que se veja o horizonte de saída. O conflito devora fundos gigantescos, mal aplicados ou desviados dos seus fins. A data de 2014 pressupõe um acelerado aumento e treino dos efectivos do Exército afegão e da polícia, para substituírem gradualmente os quase 150 mil militares estrangeiros, dois terços dos quais americanos.

A outra condição é o sucesso das políticas de "reintegração" e de "reconciliação". A primeira, mais simples, diz respeito a grupos taliban menores ou menos radicalizados. A segunda é relativa aos líderes taliban. Aqui, é difícil delimitar a fronteira. Os EUA exigem a deposição das armas e a total ruptura com o jihadismo e a Al-Qaeda.

Será o mullah Omar, líder histórico do movimento, parte do diálogo? A sua táctica consiste em condicionar quaisquer negociações à prévia retirada dos estrangeiros. Os taliban raciocinam: "Nós estamos para ficar, os estrangeiros estão condenados a ir embora."

Karzai tem em mente uma conferência interafegã. Mas há analistas que aconselham que sejam os aliados, e não o enfraquecido Karzai, a conduzir as primeiras conversações.

O factor Paquistão

O diário britânico The Guardian, citando fontes da Casa Branca, revelava ontem que os EUA se preparariam para mudar de estratégia e aceitar negociações com os chefes taliban.

"A solução militar já não existe", disse uma das fontes. A administração e os militares encarariam uma negociação "indirecta", através da Arábia Saudita e, sobretudo, do Paquistão.

Note-se que o novo comandante militar, general David Petraeus, acaba de tomar posse. Não é de excluir uma intensificação das operações mi- litares, como fez no Iraque, para ten- tar mudar a relação de forças e depois poder negociar.

Vários analistas recomendam a "via paquistanesa" e, inclusive, a de- claração de um cessar-fogo numa fase mais avançada da eventual negociação. Na segunda-feira, Hillary Clinton esteve no Paquistão, na segunda etapa do "diálogo estratégico" entre os dois países, lançado a 25 de Março. Além da ajuda financeira e de um ambicioso plano de cooperação nas áreas da água e da energia, Clinton patrocinou a assinatura de um acordo de "trânsito comercial", que permite a Cabul fazer chegar por terra os seus produtos à Índia e a Islamabad exportar para Ásia Central, através do território afegão. Mas a Índia não poderá utilizar as mesmas vias.

Além do reforço dos laços entre Cabul e Islamabad, o negócio poderá, assim, indiciar uma "marginalização" de Nova Deli no Afeganistão, uma das obsessões dos generais paquistaneses. Observa o diário Dawn, de Karachi, que o "diálogo estratégico" é estritamente vigiado pelos altos comandos militares. E é o ISI (serviços secretos militares) que controla as relações com os taliban.

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