Sócrates queria cluster nacional no negócio entre a EDP e a Vestas

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EDP optou, na energia eólica, por aquisições a uma multinacional Nelson Garrido

A encomenda de cerca de dois mil milhões de euros de aerogeradores pela EDP à Vestas apanhou de surpresa José Sócrates, que não gostou de saber que o negócio não tinha contrapartidas para a economia nacional e passava ao lado do cluster eólico nacional.

Para a EDP, que liderou o consórcio que está na origem da nova fileira industrial eólica do país, foi a sua segunda maior operação de sempre, depois da compra da empresa norte-americana Horizon, que custou 2,5 mil milhões de euros. Foi e é também a maior de sempre na história da multinacional Vestas, não havendo também registo nos últimos anos de uma outra compra desta dimensão a um único fornecedor, a nível internacional, muito menos agora, numa fase de escassez generalizada de capital. A operação foi formalizada no final de Abril pelos presidentes executivo da EDP, António Mexia, e da Vestas Mediterrâneo, Juan Araluce.

O episódio, que passou despercebido publicamente, motivou uma troca azeda de palavras poucos dias depois de conhecida a operação, se-gundo apurou o PÚBLICO. Desde en- tão, ambas as partes remetem-se ao silêncio, mas terá marcado uma mudança nas relações entre o governante e o gestor.

José Sócrates foi surpreendido pelo anúncio do negócio, que desconhecia, e terá convocado o presidente executivo da EDP e antigo ministro das Obras Públicas do Governo de Santana Lopes, a quem manifestou o seu desagrado pela oportunidade perdida de se obterem contrapartidas para a economia nacional, especialmente para o cluster eólico, na sua grande parte instalado em Viana do Castelo.

A EDP também se escusa a falar sobre o assunto, mas o PÚBLICO sabe que internamente se defende que estava sobre a mesa um negócio e não uma decisão de política económica e que não tinha que o comunicar ao accionista Estado. Garante-se também que o Conselho Geral e de Supervisão (CGS) tomou o devido e atempado conhecimento. O CGS é presidido por António de Almeida, tem como vice-presidente o economista Alberto Castro, e conta com mais 17 elementos, entre independentes e representantes dos accionistas.

Preço imbatível?

Com esta operação, a EDP conta aumentar a sua potência eólica instalada em 1500 MW, entre Estados Unidos, Europa e América Latina, com opção para mais 600 MW, no total de 2,2 gigawatts.

A potência contratada à Vestas em aerogeradores representa praticamente o dobro da potência que esteve na base do cluster eólico nacional, erguido com o primeiro concurso público que deu vitória ao consórcio Eneop. Liderado pela EDP em parceria com os alemães da Enercon, o consórcio recebeu a potência de 1000 MW com mais 200 MW de sobreequipamento.

Entre fábricas e parques eólicos, o investimento associado a este projecto ascende a 1,7 mil milhões de euros e é considerado uma peça-chave no modelo de aproveitamento económico dos grandes projectos do sector energético, que se desenvolveu desde então.

No pólo industrial de Viana do Castelo funcionam actualmente cinco fábricas e quatro centros especializados, contando ainda com a parceria de mais duas fábricas de raiz e outras 12 ampliadas. Os membros da Eneop são, para além da EDP e da Enercon, a Finerge, a Generg e a TP. Os parceiros industriais do cluster são a A. Silva Matos, Cabos para Eólicas (um grupo liderado pela Cabelte), CME, EWG, Jayme da Costa, Metalogalva, Montalgrua, Apinhas, Probilog/Laso, Saertex, Siemens, Teagael e Transportes Gonçalo.

Na fase de consulta ao mercado pa- ra o fornecimento dos 1500 MW para três distintas áreas geográficas, a EDP contactou também a dinamarquesa Enercon, sua parceira na Eneop, mas não gostou das condições oferecidas.

As razões pelas quais tomou a decisão assumem várias possibilidades e nem sempre coincidentes, mesmo dentro do grupo, como verificou o PÚBLICO. Há quem alegue que foi uma questão de preço "imbatível", outros que a Enercon tinha dificuldade em garantir as entregas nos EUA, outros ainda que as fábricas de Viana do Castelo só produzem pás para aerogeradores de dois e 2,3 megawatts (MW), quando a classe que a EDP procurava era de três MW. A classe de três MW vai preencher 44 por cento das necessidades da empresa em 2011. Uma aparente quarta razão é a de que a produção da Enercon está estruturada para privilegiar a produção nacional, tendo uma pequena margem para exportar, o que faz para a Alemanha e para o Brasil.

Quanto às restantes fábricas do cluster, fornecedoras de componentes, não chegou a ser equacionada a possibilidade de serem envolvidas na encomenda. Em Viana do Castelo, a Siemens fabrica transformadores e participa na assemblagem de uma parte do topo da torre, a Dartex tem a unidade de fibra de vidro com a qual são feitas as pás dos aerogeradores, a A. Silva Matos produz os topos das torres, a Jayme da Costa faz cablagens para as linhas de transmissão, num grupo em que está também a Cabelte. Este núcleo central de empresas à volta do qual gira o cluster eólico nacional instalou-se em torno da Enercon, no mesmo local, onde faz aerogeradores, as pás e as torres de betão, para além de uma parte da assemblagem.

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