Quem disse que o caos tem de ser uma coisa feia?

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À esquerda:

Não foi a antecipar os dias duros desta crise, mas a pedir um olhar sobre os riscos que pairam sobre o mundo que o Festival Internacional de Jardins de Ponte de Lima propôs o caos como tema deste ano. O resultado são 11 jardins que nos interpelam. Por Abel Coentrão e Adriano Miranda (fotografia)

Se o Génesis nos garante que no princípio era o Verbo, não faltam cosmogonias outras que nos asseguram que, antes da ordem "natural" como a conhecemos, não era o Verbo, mas o Caos que imperava. E esse Caos, mais de uma desordem, como hoje a entendemos, seria o vazio, o nada, inspirador de E no princípio era...o título de uma das mais bem conseguidas obras presentes na sexta edição do Festival Internacional de Jardins, que decorre até 31 de Outubro na margem direita do rio Lima. E que tem o Kaos no Jardim, precisamente, como tema.

Se os estudantes de paisagismo austríacos liderados por Roland Barthofer se inspiraram neste vazio, ao qual nos conduzem por uma espécie de labirinto em paus de pinho, no centro do qual não há vida, outras versões há do Caos, primordial ou contemporâneo. Propostas essas que, tanto ou mais do que os sentidos, interpelam a nossa reflexão, puxando, pois, pelo verbo. O mundo, com a sua fragilidade, parece ter aterrado em Ponte de Lima. Vila rural que, com as 11 escolhas feitas pelo júri a partir dos 77 projectos candidatos, fala para as cidades. Destino óbvio destes espaços modulados, nos quais pairam, bem presentes, as maiores ameaças ao planeta. E, sabemos, muitas delas - como a sobrepopulação, a desertificação, a poluição... - se não são urbanas na sua génese, são-no nas suas consequências.

Com o mundo no estado em que está, não há vazio na cabeça de quem desenhou estes espaços. Há até um pensamento comum, preocupação partilhada, que levou a que vários se apoiassem nas reflexões de Edward Lorenz, e na célebre teoria sobre o impacto que o bater das asas de uma borboleta tem no lado oposto do mundo. Elas lá estão: junto às árvores sequientas que a equipa sérvia plantou, em O efeito borboleta, numa terra a lembrar valas comuns; na Experiência da borboleta em que os concorrentes holandeses nos convidam a sentarmo-nos em lepidópteros de aço à escala humana; ou estilizadas em acrílico, baloiçando sobre fios de ferro enferrujado, num jardim cuja peça central é um cilindro feito pilhão. Para que amanhã possa não parecer hoje, chamaram-lhe os italianos coordenados por Emanuela Bracaglia, a sugerir que cada ínfimo gesto de cada um de nós - o da reciclagem, no caso - pode ter um efeito no outro lado do planeta.

Resta-nos acreditar, ou não. Mas, mesmo não crendo, é difícil escapar à poesia destas intervenções quando, num jogo de espelhos, somos colocados no centro da acção, como em Kaos suspenso, um dos dois projectos portugueses, dos arquitectos José Pedro Torres, Pedro Negrão e Teresa Aroso. A instalação labiríntica de pérgolas de ferro, às quais a vida se agarra, trepando, é um dos candidatos à escolha do público e, por isso, candidato também a permanecer em Ponte de Lima em 2011, entre os projectos que, na sétima edição, terão de se inspirar no tema O jardim na floresta. Até ao final de Outubro, aceitam-se inscrições.

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