Clima de "fim de festa" do PS, Sócrates resiste e ensaia rentrée... PSD fica à espera

a Entre o Palácio de São Bento e a residência oficial do primeiro-ministro não há apenas uma escadaria e um jardim a separar os dois edifícios. Há um estado de espírito radicalmente diferente. Se nos corredores do antigo convento beneditino há já deputados do PS a admitir um certo clima de "fim de festa" do "socratismo" (os da oposição não se inibem de dizê-lo mais abertamente), na residência de São Bento a entourage de José Sócrates esforça-se por passar a ideia de "resistir". E começam a preparar a rentrée política de Setembro. Ou seja, é tempo de PS e Governo voltarem a liderar a agenda política, depois de semanas, meses em que o PSD de Pedro Passos Coelho foi ganhando e ocupando terreno. Na iniciativa política e nas sondagens.

Neste jogo de estratégia, os avanços e os recuos medem-se ao milímetro. Dois dos protagonistas principais desta trama - José Sócrates e Pedro Passos Coelho - têm-se estudado. E encontrado algumas vezes - a sós -, seja por causa das medidas de austeridade, como o aumento dos impostos, seja nas conversas por causa das portagens nas Scut. E começam a pensar no Orçamento de Estado de 2011. A avaliar pelo som dos tambores do PSD contra a redução das deduções fiscais na saúde e na educação, o orçamento ameaça estar no centro da arena política. A tantos meses da apresentação, o que é certo é que Sócrates e Passos já começaram a falar do assunto nas conversas a dois.

Cálculos políticos

E, embora o documento esteja muito longe de estar sequer elaborado, a verdade é que, no Governo e até no PSD, admite-se que as opções orçamentais serão determinadas, e muito, pelas opções quer do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), com o qual Passos não se comprometeu por ainda não ser líder, quer do PEC II, as medidas complementares de resposta à crise - essas sim já acordadas entre José Sócrates e o recém-eleito presidente do PSD.

As condições postas por Passos ensombram, para já, um acordo de viabilização do próximo orçamento. Com as promessas, os sociais-democratas querem tudo menos criar uma crise política. Até por causa das eleições presidenciais e do período em que é impossível a dissolução da Assembleia, de 9 de Setembro a 9 de Março, e a realização de novas eleições legislativas. Até porque a perspectiva é que a crise económica não dê sinais de abrandamento nos próximos meses, com necessidade de mais medidas duras. E potencialmente impopulares.

Há também declarações solenes pela estabilidade. De Miguel Relvas, porta-voz do PSD. "O Governo escolheu o PSD como inimigo, mas desengane-se. O nosso verdadeiro inimigo é o desemprego e os problemas do país", disse ao PÚBLICO. E aponta a saída para um entendimento no próximo orçamento: "Cortar na despesa em vez de subir impostos."

Portanto, os horizontes de crise política adensam-se depois das presidenciais e, quem sabe, para o orçamento seguinte, de 2012. É esse o cálculo político de responsáveis dos dois maiores partidos ouvidos pelo PÚBLICO. Mas os imponderáveis podem ser muitos para saber se Sócrates pode ambicionar a um novo mandato: o curso da crise, o aparecimento de "casos" que envolvam o primeiro-ministro a somar aos da PT/TVI, Freeport, Face Oculta. E a vontade do próprio, claro.

Entre colaboradores do chefe do Governo ninguém acredita que José Sócrates desista de ir a votos se, por exemplo, se precipitar uma crise depois das presidenciais de 2011 e o Executivo tiver sido "vítima" da oposição. Ainda hoje há deputados que lembram a frase de Sócrates, em Fevereiro deste ano, em resposta aos partidos da oposição, mas com leituras internas no PS: "Eles podem querer um novo líder, mas têm azar. O líder do PS sou eu."

A questão toda está no desgaste e esse tem sido muito nos últimos meses. Desde os recuos nas obras públicas, com pressão europeia, ao dossier das Scut. Com as divergências mais ou menos explícitas entre ministros - Vieira da Silva (Economia) e Teixeira dos Santos (Finanças) a propósito das leis laborais. E se até há pouco meses poucos se atreviam, dentro do PS, a questionar a liderança de Sócrates, a verdade é que o tema da sucessão deixou de ser tabu. António José Seguro, o deputado e ex-ministro de Guterres que foi cultivando a distância de Sócrates, deu o sinal que faltava, dizendo estar disposto a disputar a liderança do partido.

E é esse "lume brando" com que o PSD de Passos Coelho parece contar. E deixar passar as folhas do calendário. Algumas das quais poderão ficar assinaladas por acordos com os socialistas. Como aquele que permitiu a adopção de medidas complementares de austeridade, incluindo o aumento de impostos.

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