"Mercado livre? Existe no pão, no leite, nos alfinetes..."
"Mercado a funcionar livremente é coisa que existe no pão, no leite, nos alfinetes, mas não nas telecomunicações, nos submarinos e nas grandes áreas de negócio de natureza oligopolista ou monopolista", afirma Paulo Trigo Pereira, um dos quatro economistas ouvidos pelo PÚBLICO sobre o significado do interesse estratégico nacional no veto da venda da Vivo.
Perante um mercado "muito imperfeito", como é o das telecomunicações, os economistas tendem a ver o veto do Governo como uma decisão política com muitas contradições à mistura. A maior delas, diz Miguel Morgado, da Universidade Católica, está entre o discurso histórico europeísta dos socialistas e a decisão de Sócrates.
"Os socialistas na Europa, em Portugal, são a família política menos autorizada a usar o argumento" da defesa dos centros de decisão nacional, defende. Para este economista, apenas faria sentido a defesa do interesse europeu face a um não-europeu e Ricardo Reis, da Universidade norte-americana de Columbia, não tem dúvida de que a crise financeira internacional e as dificuldades europeias deram uma "enorme actualidade" a esta discussão, porque "a vulnerabilidade dos centros de decisão nacional e a crise financeira portuguesa são duas faces da mesma moeda".
Há ainda um problema prático, inevitável, para o qual alertam Ricardo Reis, da Universidade norte-americana de Columbia, e Miguel Morgado: com o elevado défice externo acumulado e dificuldades para continuar a pedir emprestado lá fora, resta a Portugal vender activos ao estrangeiro, sejam eles imobiliários ou mobiliários. Os estrangeiros preferem os bons activos e a Vivo encaixa nessa categoria.
"Enquanto tivermos de dar activos aos estrangeiros, continuaremos a perder centros de decisão nacionais. É inevitável", sublinha Reis. Trigo Pereira, do ISEG, admite que, "se fosse purista e algo ingénua, a sociedade, em geral, deixaria que as leis do mercado funcionassem" e não teria golden shares, por irem contra a "concepção de equidade dos accionistas". Em vez do "purismo", defende uma "visão estratégica", mas apenas em parte favorável à decisão do Governo.
Por um lado, vê "sentido na opção do Governo" em relação à Vivo, como vê no controlo da CGD pelo Estado. "O Estado deve ser player em sectores-chave com regras claras e não estritamente regulador e observador." Mas, por outro lado, defende que deveria ser "um player mais eficaz, com gestores públicos competentes, escolhidos com base no currículo e não no critério dos boys".
Mais contradições entre a teoria e a prática encontram Pedro Lains, do ICS e director da Análise Social, e Miguel Morgado. O primeiro lembra a prática europeia, desde Espanha à Alemanha, onde o uso de golden shares evitou operações indesejadas, como aconteceu com a própria Telefónica e ainda hoje é assim entre o governo federal da Baixa Saxónia e a BMW.
Perante a falta de alternativas para a PT que a proposta da Telefónica implicava, Pedro Lains entende que o Governo "via o negócio ser feito sem estar directamente envolvido e impôs o veto para ser envolvido e arranjar uma alternativa à Vivo". Uma melhor explicação pública sobre a avaliação de custos e benefícios da decisão por parte do Governo seria bem acolhida, apesar de Lains avisar que as contas "nunca seriam claras e objectivas" por serem "sobre o futuro". Até pode ser que a decisão judicial de hoje contenha zonas de ambiguidade que podem ser exploradas no futuro, admite Trigo Pereira. Lurdes Ferreira