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De Aquilino a Matilde, um mundo português de livros para crianças

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A boa literatura para crianças contraria o facilitismo e a infantilização PAULO RICCA

Há muitos livros para crianças e ocupam cada vez mais espaço nos catálogos das editoras, mas nem todos são literatura. Alguns nomes ficam. Matilde, por exemplo

Houve casos pontuais, ainda no século XIX, mas os "Irmãos Grimm à escala nacional" têm um nome: Ana de Castro Osório. Foi esta professora que abriu verdadeiro caminho à literatura portuguesa para a infância, estava o século XX a começar.

Ana de Castro Osório distingue-se daqueles autores alemães simplesmente porque "a sua escrita era intencionalmente dirigida para crianças, ao contrário dos Grimm", diz José António Gomes, professor de Literatura Portuguesa e Literatura Infantil na Escola Superior de Educação do Porto.

"A autora compilou recontos de histórias tradicionais portuguesas que adaptou para a infância, mas também escreveu artigos em jornais e defendeu muitas causas sociais. Foi uma pessoa muito completa." Daí também a sua visibilidade.

Aquilino Ribeiro é o segundo vulto nomeado pelo investigador em literatura para a infância e juventude, "um clássico absoluto da literatura". E recorda obras comoO Romance da Raposa e o Livro da Marianinha. "Deviam ser lidos como se lê OsLusíadas, mas antes. Mesmo com toda a sua complexidade. Para contrariar o facilitismo e a infantilização das crianças de hoje."

Para outra especialista em literatura, Fátima Ribeiro de Medeiros, do projecto de Investigação e Ensino da Língua Portuguesa, os três nomes importantes a reter neste momento sãoMatilde Rosa Araújo, Luísa Ducla Soares e Maria Alberta Menéres. "Não se limitam ao campo da criança. A literatura é literatura e ponto."

Amiga de Matilde, Fátima Ribeiro de Medeiros diz sobre a escritora: "Ela é única. Uma pessoa de uma grande bondade e generosidade. Um grande vulto da nossa modernidade."

Literatura "menor"

Durante muito tempo, a literatura infantil foi alvo de "opiniões desprimoradas" vindas de vários sectores, nomeadamente dos autores de livros "para adultos". Era vista como uma espécie de literatura "menor". Mesmo a nível universitário e de investigação, a literatura para a infância e juventude era um domínio quase inexistente. "Foi uma área que acordou tardiamente, até em termos de produção literária", diz José António Gomes.

Hoje, com o dinamismo do mercado, o surgimento de novas editoras, de mais autores e ilustradores, e de uma outra forma de pensar no desenvolvimento das crianças, há uma percepção diferente da importância desta área da literatura, quer em termos comerciais, quer formativos. Aspectos que nem sempre caminham a par.

Novos autores

José António Gomes continua a enumerar autores relevantes e desmonta uma ideia feita. Afinal, o romance juvenil em Portugal é mais antigo do que se pensa. "As pessoas estão convencidas de que as histórias para jovens só apareceram nos anos setenta [do século XX], mas não é verdade." Virgínia de Castro e Almeida e Maria Lamas foram "as fundadoras da nova novela juvenil, nos anos 1930/40", com títulos como Brincos de Cereja ou A Estrela do Norte.

Por esta altura, houve também três nomes masculinos obrigatórios: José Gomes Ferreira (As Aventuras de João Sem Medo), Olavo d" Eça Leal (Iratan e Iracema) e Afonso Lopes Vieira (Animais Nossos Amigos). Mais tarde, Jaime Cortesão e Irene Lisboa deram um contributo importante para a literatura infantil. E para a outra.

Nos anos 50, juntam-se nomes como Sophia de Mello Breyner Andresen, Ilse Losa, Matilde Rosa Araújo. "Se olharmos para a poesia de Sophia e para os contos infantis, vemos que são farinha do mesmo saco, só que de um saco genial", diz o director da revista Malasartes. "Ilse Losa foi uma renovadora da literatura, trouxe o realismo social, que estava ausente." Matilde "introduziu também temas sociais, meninos de pé descalço, infância camponesa", explica José António Gomes, escritor, que se diz "desiludido com a falta de memória das pessoas, que se esquecem de falar de autores e ilustradores importantes". Exemplos: Norberto Ávila, Alice Gomes, Henrique Galvão, Manuela Bacelar.

O professor nomeia ainda Alves Redol e Sidónio Muralha e prefere não falar nos "vultos vivos" que surgiram logo a seguir a Matilde. Isto porque acredita que mais para a frente no tempo "se falará nos que ficarem". No entanto, aponta alguns novos autores que lhe agradam bastante, "têm uma boa comunicabilidade com as crianças": Isabel Minhós Martins, Rita Taborda Duarte e Nuno Higino.

Sobre as incursões no livro infantil de autores de outras áreas da literatura, José António Gomes pensa que o fazem "não por vocação, mas por uma qualquer razão pessoal ou talvez porque se apercebam de que há viabilidade económica - então, "fazem uma perninha esporádica"". Outra possibilidade é a de tentarem assemelhar-se a outros autores: "Houve grandes autores, Lorca, por exemplo, que escreveram belos textos para crianças. Talvez os nossos queiram imitá-los. Mas alguns resultados são mesmo maus."

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