A desconstrução do jornalismo no Teatro Nacional

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João Adelino Faria é o pivot do telejornal usado na peça Enric Vives-Rubio

E se todos os automobilistas passassem a conduzir em marcha atrás? E se o trânsito começasse a circular ao contrário? E se os jornalistas se calassem? E os noticiários fossem mudos?

Questões levantadas na peça “Se uma janela se abrisse “ em cena, hoje, às 23h, na sala estúdio do Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa, no âmbito do Alkantara Festival.

Escrita e encenada por Tiago Rodrigues, a peça tem como ponto de partida um telejornal, às oito da noite, num canal de televisão. As vozes do apresentador (João Adelino Faria) e dos restantes intervenientes nas notícias do telejornal são dobradas pelo grupo de actores que substituem as palavras dos repórteres e dos entrevistados por outras.

As palavras poderiam ser totalmente diferentes, alternativas a falar de factos com valor de notícia e o telejornal seria construído da mesma forma. Uma crítica profunda à forma de fazer jornalismo nos dias de hoje. Com inteligência e muito humor, fala-se de uma crise verbal e de uma epidemia de silêncio. Os discursos de Sócrates, Alberto João Jardim ou Mário Soares são substituídos por outras palavras que referem esses problemas.

O título do espectáculo é inspirado na poesia de Alberto Caeiro: “Há só uma janela fechada/ e todo o mundo lá fora/ E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse/ Que nunca é o que se vê quando se abre a janela”.

E, a propósito, fala-se na importância do silêncio, da importância de estar calado. Para pensar. “Problemas de estar calado: as pessoas podem pensar que estamos doentes. As pessoas podem pensar que enlouquecemos. As pessoas podem pensar que não temos nada para dizer. As pessoas podem deixar de prestar atenção (...)”.

A representação é distribuída pelos actores Paula Diogo, Cláudia Gaiolas, Tónan Quito, Tiago Rodrigues e pelo DJ ALX.

Eles falam à frente de um ecrã gigante com o jornalista Adelino Faria, mudo, no estúdio, a olhar para a câmara: Quando te calas, “as pessoas esperam que estejas a pensar em alguma coisa mesmo muito séria. Uma tragédia de proporções cósmicas. Um trauma de infância. Um plano revolucionário ou um novo modelo económico com justiça social.” Mas por que não nos calamos mais vezes?, perguntam. “É bom. Podemos pensar”.

Tiago Rodrigues, autor do espectáculo, actor, dramaturgo e encenador trabalha regularmente com a companhia belga tg STAN. É director artístico do “Mundo Perfeito”, grupo criado em 2003 que já produziu 15 espectáculos apresentados em cerca de dez países.

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