"Neste momento, o Pacto para o Emprego é apenas um slogan"

Foto
DANIEL ROCHA

Para o dirigente da Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, o Ministério da Economia tem de estar na concertação social quando se fala de emprego

Aos 62 anos, João Vieira Lopes não nega a herança histórica do comércio na CCP, mas admite que é pelos serviços que a organização se vai desenvolver. Mais do que trabalho precário, o que deixa os trabalhadores desprotegidos "é a economia não crescer e as empresas encerrarem", defende. O aumento da carga fiscal, diz, terá efeitos nefastos no tecido empresarial. E afirma que todas as medidas anunciadas por José Sócrates são recessivas.

Que mudanças de estratégia trouxe para a nova direcção da CCP?

O país mudou e a CCP também teve de se ajustar às mudanças. É uma grande organização e isso é a sua força e a sua fraqueza. O facto de integrar o comércio e os serviços é uma mais-valia, mas por outro torna difícil um enquadramento toda esta diversidade. A CCP nunca poderá perder a sua génese e origem no comércio, no entanto, a estratégia irá crescer pelos serviços, um dos sectores que estão neste momento em desenvolvimento.

Qual é o peso dos sócios da área dos serviços?

Das 100 associações representadas, cerca de 60 são do comércio e 40 já são serviços. Nos últimos anos, o número tem crescido. Cerca de 97 ou 98 por cento destas empresas são PME ou microempresas e há um conjunto de problemas comuns que temos de valorizar e encontrar soluções. Falo de legislação laboral, aspectos fiscais, de política económica do Governo, regulações e concentrações.

O que é que vai fazer para cativar novas áreas nos serviços?

Para além de contactar uma série de sectores que ainda estão desorganizados, ou que não se juntaram a nós, vamos tentar um formato de organização prática que permita esta diversidade. Por exemplo, temos um conjunto de actividades que envolvem grande número de mão-de-obra e de empregados que estão em empresas de terceiros, como o trabalho temporário, limpezas, merchandising, contact centers, entre outros. Vamos tentar que estes grupos também trabalhem de uma forma agregada para melhor desenvolverem os seus interesses comuns.

Os serviços são repetidamente apontados como um dos sectores onde Portugal tem mais potencial de desenvolvimento. Isso é mau?

É inevitável. Aliás, a CCP tem feito alguma reflexão e uma das preocupações que temos feito notar aos diversos governos é que, independentemente dos efeitos das crises, Portugal tem um problema de crescimento. Na última década, o crescimento foi anémico. E, se não alterarmos o nosso modelo económico, ficaremos na mesma. Consideramos que os serviços são um sector importante estrategicamente. Neste momento, quando se fala tanto em exportações de bens transaccionáveis, esquecem-se que os serviços já representam 35 por cento das exportações. E falo de serviços para além do turismo. Não é muito viável pensar que Portugal voltará a ter um modelo industrial como nos anos 50.

Mesmo que os postos de trabalho nos serviços sejam muitas vezes precários e sustentados em contratos a prazo?

O problema da precariedade tem a ver com vários factores. Por exemplo, Portugal tem alguma rigidez na legislação laboral, o que leva as empresas a optarem pela contratação a prazo. A precariedade tem mais a ver com o desenvolvimento e com o crescimento da economia do que com o aspecto jurídico-formal. Manter trabalhadores de que não necessitam é um suicídio para as empresas.

Mas, de acordo com os dados do IEFP, os serviços são o sector que mais pessoas coloca e mais emprego oferece, mas ao mesmo tempo também é o que atira mais portugueses para o desemprego.

Isso é natural.

Não será só devido à legislação laboral rígida. Tem a ver com uma cultura de um sector que assenta neste princípio?

Há uma rigidez laboral, mas não só. Uma empresa em Portugal tem a duração média de quatro anos e, na sua fase inicial, não pode assumir compromissos fixos significativos. Se houver crescimento económico, é evidente que não vai deixar cair um trabalhador que adquiriu formação e capacidade de trabalho. As empresas não querem, nem podem, correr riscos e o método de contratação a prazo acaba por servir para testar se o negócio tem viabilidade e se as pessoas se adaptam aos lugares.

Mas existe um período experimental para isso.

Nós fomos defensores do período experimental de 180 dias, porque consideramos que há vários sectores em que é razoável essa duração. O aumento do período experimental baixaria as necessidades de contratação a prazo.

Também deixaria os trabalhadores mais desprotegidos.

O que deixa os trabalhadores mais desprotegidos é a economia não crescer e as empresas encerrarem.

Mas é sustentável para um sector estar baseado no princípio da precariedade?

É evidente que uma empresa do sector de limpeza tem de ajustar os contratos de trabalho, aos contratos que tem com clientes. Há sectores que não podem sobreviver sem ajustamentos temporários e, provavelmente, haverá outros onde poderia haver alguns acertos. O problema posto de uma forma geral não tem sentido. Acima de tudo, o que é importante é que ninguém despede por prazer, e as empresas se não tomarem essas medidas vão para o fundo. Em Portugal há uma tendência para arrastar os problemas e quando as empresas têm dificuldades atrasam pagamentos ao fisco e à segurança social e têm salários em atraso. São fenómenos pouco saudáveis para a economia.

O novo Código do Trabalho prevê medidas de flexibilidade para colmatar algumas das necessidades que refere, mas isso na prática não acontece. Onde está o entrave?

As empresas já estão a usar esses mecanismos. Contudo, alguns precisam depois de ser consolidados na contratação colectiva, o que não é fácil. Existe uma visão um pouco conservadora na contratação colectiva.

Quem tem essa visão?

Neste país há uma cultura dos direitos adquiridos e algum conservadorismo em relação à adaptação por parte dos interlocutores sindicais.

Do lado das confederações patronais não há conservadorismo?

Depende do sector. Portugal tem problemas complicados. Começa pelo problema da habitação. O facto de não haver mercado de arrendamento obrigou as pessoas a comprarem casas e a flexibilidade de mudança de local de habitação é inferior à da maior parte dos países da OCDE. Uma das críticas que fazemos às alterações do Código Contributivo é que, ao penalizar um pagamento de rendas de casa a empregados transferidos de um local para o outro, dificulta ainda mais a mobilidade.

Nas medidas adicionais ao Pacto de Estabilidade e Crescimento o Governo decidiu subir o IVA para aumentar a receita. Era uma medida inevitável?

Os diversos governos não têm tido coragem política para actuar claramente na área da despesa, portanto o mais simples nas alturas de aperto é actuar na área da receita e o IVA é o imposto mais fácil. Tem havido uma fuga clara a definir qual o modelo de Estado que queremos. Devíamos definir as suas funções e rentabilizá-las. Como isso não foi feito, agora fazem-se cortes transversais - cortam-se salários, substitui-se um funcionários público por cada dois que saem - e isso acaba por debilitar o funcionamento do próprio Estado.

O aumento agora decidido vai ter impactos no sector do comércio e dos serviços?

Aumentar o IVA tem uma consequência clara em termos de consumo, nomeadamente nas zonas fronteiriças, e esse é um risco significativo. Não tenho dúvidas de que o aumento do IVA vai ser o acelerador do encerramento de mais uns largos milhares de empresas e os números do desemprego não vão baixar. Uma subida desregrada da carga fiscal vai matar mais um conjunto de empresas. O Governo devia actuar mais sobre a despesa do que sobre a receita.

A sobretaxa de IRS também terá efeitos negativos?

Que fique claro: todas as medidas anunciadas recentemente pelo Governo são recessivas. Algumas eram inevitáveis devido às pressões internacionais a que o país está sujeito. Mas o facto de o Governo não ter tido o empenhamento político para fazer as reformas e os cortes na despesa anteriormente levou a que agora fosse obrigado a ir tão longe. Por outro lado, continuo a não ver medidas claras no apoio às empresas.

Esses apoios devem fazer parte do Pacto para o Emprego, que está em cima da mesa na concertação social?

Neste momento, o pacto é apenas um slogan, não sabemos ainda qual será o seu conteúdo. Para nós tem que passar obrigatoriamente por um conjunto de apoios às empresas, já que é delas que depende a criação de emprego. Já dissemos que queremos o Ministério da Economia à mesa da concertação social, porque não se pode discutir a criação de emprego sem se conhecer as medidas para dinamizar o tecido empresarial.

Mas haverá abertura do Governo para avançar com apoios numa altura em que começa a retirar os apoios extraordinários? Acabaram com a redução das contribuições pagas pelas micro e pequenas empresas pelos trabalhadores mais velhos.

O fim dessa medida vem dificultar a actividade das micro e pequenas empresas, que grosso do nosso tecido empresarial, e vem criar novas dificuldades à manutenção de postos de trabalho das pessoas acima dos 45 anos de idade, que quando caem no desemprego dificilmente conseguem voltar a entrar no mercado de trabalho. Mas defendemos que os apoios não passam necessariamente pelos incentivos financeiros. Deve haver uma actuação clara ao nível dos custos de contexto, nomeadamente ao nível dos operadores monopolistas no sector da energia, do gás e dos combustíveis. Por outro lado, há também uma postura do sector financeiro que não facilita a vida às empresas e que terá de ser alvo de uma actuação conjunta ao nível dos governos da União Europeia.

Por que razão a CCP foi o único patrão a dar o seu acordo de princípio aos cortes no subsídio?

Não foi por razões premeditadas. As medidas pareceram-nos razoáveis.

Mesmo que representem a redução dos subsídios a partir dos 516 euros?

Demos o nosso acordo à filosofia geral... mais do que essa problemática dos limites é a política do subsídio de desemprego ir no sentido de incentivar as pessoas a arranjarem um emprego o mais rapidamente possível. E nós sabemos que existe algum conformismo aliado a alguma economia paralela. Só lamentamos que não se tenham reforçado os incentivos para pessoas criarem o próprio emprego e que não se tenha avançado na criação de uma protecção no desemprego para pequenos empresários.

Em que ponto está esse processo?

Temos dialogado com o Governo e há abertura para continuarmos a avançar com o dossier.

Sugerir correcção