Bagão Félix sondado para candidatura a Belém

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"À partida, direi que não paro para pensar nisso", diz Bagão Félix DR

Ex-ministro dos últimos Governos PSD/CDS fala de ?"ferida aberta" por Cavaco Silva com a promulgação do casamento gay

Contactos "difusos", "indirectos", mas ainda assim contactos. António Bagão Félix, ex-ministro dos Governos de Durão Barroso e Santana Lopes, foi sondado para protagonizar uma candidatura à Presidência da República, após Cavaco Silva ter decidido promulgar a lei do casamento gaysem recorrer ao veto, levantando uma onda de "indignação" sobretudo nos sectores católicos.

"Houve pessoas que me falaram dizendo que eu estaria bem para assumir uma candidatura presidencial. Nunca tal me passou pela cabeça e, à partida, direi que não paro para pensar nisso", revelou ao PÚBLICO Bagão Félix, para quem a decisão do actual Presidente da República "deixou uma ferida aberta" numa franja do eleitorado que o apoiou e cuja "cicatrização" é uma incógnita. O ex-ministro não quer revelar de onde partiram esses contactos e evita dar lastro a essa possibilidade. Mas não cala as críticas:"Não se esperava, é daquelas situações em que a ética da convicção deveria estar acima de tudo"; "não direi que há revolta, mas há desconforto"; "nunca a Igreja reagiu assim, a intervenção do cardeal-patriarca foi muito forte".

Anteontem, numa entrevista à Rádio Renascença, D. José Policarpo censurou abertamente Cavaco Silva, desconstruindo os argumentos utilizados pelo Presidente para justificar a promulgação da lei. "O discurso levava a uma conclusão que depois não aconteceu. Temos muita dificuldade em ver como é que um veto político vinha prejudicar a crise económica. Aquela relação causa-efeito a mim não me convenceu", declarou. Além disso, acentuou ainda, "o argumento principal não era o da eficácia política, era um gesto dele como pessoa, como Presidente que foi eleito pelos portugueses e pela maioria dos votos dos católicos, que se distanciasse pessoalmente: quando assinasse, era mesmo porque tinha de ser e naquela altura não tinha de ser". Isto depois de afirmar que se Cavaco tivesse utilizado o veto "ganhava as eleições".

Cavaco recusa comentar

O Presidente da República recusou ontem comentar as críticas do cardeal patriarca de Lisboa à promulgação da lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo, frisando que as suas decisões visam os "superiores interesses de Portugal". "Eu sou Presidente de Portugal e em todas a minhas decisões eu pondero os superiores interesses de Portugal, em particular naqueles atos que não têm efeitos práticos", declarou aos jornalistas, no final de uma visita a Coimbra. O chefe de Estado disse ainda "não ser comentador".

"Quem estiver interessado em conhecer o que eu penso basta ir à página da Internet da Presidência da República. Está lá a minha posição que é muito clara para quem quiser entender", afirmou Cavaco Silva. "Procurem conhecer a situação dramática em que Portugal se encontra", acrescentou.

A emergência de uma eventual candidatura à direita, fracturando o eleitorado, é olhada com muita cautela por Bagão Félix. Convicto de que Cavaco é um candidato "com muita força", não antecipa como vitoriosa uma alternativa "fundada nos valores que agora foram postos em causa". Assim sendo, "só poderia fazer perigar a reeleição do actual presidente". Porque seria quase inevitável uma segunda volta, tradicionalmente mais favorável ao sucesso eleitoral da esquerda. Consequências? "Qualquer candidato teria amanhã sobre si o ónus de ter deixado eleger uma pessoa de outra área política".

Confessando-se "desapontado como cidadão", o ex-líder do CDS-PP Ribeiro e Castro considera "um disparate montar uma candidatura presidencial à volta do casamento gay". Dito isto, vaticina que a decisão de Cavaco terá custos eleitorais na sua reeleição, "mesmo que não se apresente ninguém" como alternativa. E é duro nas criticas. "O Presidente da República não é um simples notário, é o último actor do processo legislativo. Aqui, ele foi notário. Limitou-se a carimbar uma lei relativamente à qual sinalizou a sua discordância". Ribeiro e Castro diz ter "ouvido muitas pessoas que fizeram uma ruptura interior profunda". Não tanto pelo "desapontamento" em relação a uma decisão inesperada, mas com o próprio sistema político. "O veto honra a República e isto foi uma sapatada à República, que se junta à outra da rejeição do referendo. Desenobrece o sistema democrático", sustenta.

O clamor contra Cavaco parece crescer. Vindo mesmo de figuras muito próximas, como João César das Neves e Vasco Graça Moura. Ontem, também Santana Lopes, em entrevista ao i, criticou Cavaco, considerando existir "espaço" para uma candidatura alternativa. com Lusa

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