Papéis dos submarinos desapareceram para omitir alteração de última hora

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Portas envolveu estaleiros de Viana por “estarem próximo da falência” Hugo Delgado

Vários documentos relativos ao programa de contrapartidas dos dois submarinos comprados em Abril de 2004 pelo Estado português desapareceram da Comissão Permanente de Contrapartidas (CPC), que fiscaliza os projectos que o consórcio alemão se comprometeu a intermediar, no valor de 1,2 mil milhões de euros, para fortalecer o tecido empresarial nacional.

A informação foi dada pelo vogal da CPC, António Nogueira da Silva, que testemunhou esta semana no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, onde se discute a acusação de burla qualificada e falsificação de documentos de sete gestores portugueses e dois alemães.

Nogueira da Silva disse ainda que acreditava que o desaparecimento de um anexo de uma acta de uma reunião da CPC, de 20 de Abril de 2004, a véspera da assinatura do contrato de compra dos submarinos e do das contrapartidas, tinha o objectivo de omitir uma alteração de última hora, feita na noite de 20 para 21 de Abril, que transferiu os projectos da Lisnave para os Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC). "A lista dos projectos aprovados pela comissão, que deveria estar anexa à acta, mostraria que houve uma alteração nos projectos das contrapartidas incluídos no contrato final", afirmou Nogueira da Silva. E adiantou que, relativamente a 2003 e 2004, só existe na CPC uma pasta de actas. "Não há lá mais documentação nenhuma", sublinhou. Acrescentou que também faltam documentos relativos a CPC mais antigas, das quais até fez parte.

Também o representante da Man Ferrostaal em Portugal entre 1983 e 2005, Gil Corrêa Figueira, que testemunhou na última quinta-feira, contou que se recordava de uma alteração nas contrapartidas feita na noite anterior à assinatura do contrato. Corrêa Figueira explicou em tribunal que houve uma mudança de beneficiários, da Lisnave para os ENVC, que obrigou a uma maratona nas negociações até de madrugada. Referiu ainda que essa alteração foi introduzida por vontade do Estado português, que estava a ser representado pelo gabinete do então ministro da Defesa, Paulo Portas, e pelo escritório de advogados de Sérvulo Correia.

Contactado pelo PÚBLICO, o líder do CDS/PP, Paulo Portas, reconheceu ter estado na origem desta mudança. "Defendi o interesse público dando trabalho a uma empresa do Estado que estava próxima da falência, com mil postos de trabalho", sustentou Paulo Portas. O líder do PP optou por não comentar o facto de essa alteração ter ocorrido apenas na véspera da assinatura do contrato. E recusou ainda falar das contrapartidas que beneficiaram os estaleiros de Viana, que estão na base de um diferendo da CPC com o consórcio alemão.

O PÚBLICO tentou, sem sucesso, contactar Pedro Brandão Rodrigues, presidente da CPC entre 2003 e 2004, e actualmente deputado do CDS. Em Abril, interrogado sobre esta matéria pelo Correio da Manhã, Brandão Rodrigues negou que tivesse havido alterações de última hora nos projectos das contrapartidas e afirmou que as actas estavam na CPC.

O actual presidente da comissão, Pedro Catarino, e Nogueira da Silva explicaram em tribunal que as regras contratuais das contrapartidas, definidas em 2000, exigem que os projectos tenham mais de 50 por cento de valor acrescentado nacional, um índice que mede o impacto real do negócio na economia nacional. Nogueira da Silva exemplificou com uma encomenda de barcos feita aos ENVC, avaliada em 99,7 milhões de euros. "É diferente para o país os barcos serem construídos todos em Portugal ou virem para cá só para serem pintados", disse. Depois de avaliarem os projectos, a CPC concluiu que só um cumpria esta regra dos 50 por cento e, por isso, o Estado português tinha sido prejudicado em mais de 200 milhões de euros, tendo permitido que o consórcio alemão levantasse indevidamente parte da garantia bancária.

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