A Palma que veio da selva tailandesa

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Apichatpong Weerasethakul leva a Palma para a Tailândia, leva a Palma para a Tailândia, ou Joe, leva a Palma para a Tailândia, Eric Gaillard/Reuters

"Uncle Boonmee Who can Recall his Past Lives" foi o melhor filme na competição de Cannes e o júri concorda com isso - A Palma de Ouro para Joe ou, mais difícil, para Apichatpong Weerasethakul, cineasta-hipnotizador.

Apichatpong Weerasethakul, 40 anos, bem se pode sentir “noutro mundo”, em Cannes, vindo da selva tailandesa. Mas pode estar certo que "Uncle Boonmee Who can Recall his Past Lives", a Palma de Ouro da 63ª edição do Festival de Cannes, é que elevou a condição dos espectadores deste festival. Houve quem aqui falasse em “sessão de hipnose” para descrever o que se pode passar na sala entre o espectador e este filme em que um homem que está a morrer, "Uncle Boonmee", se senta à mesa, na selva tailandesa, com os seus mortos e as outras vidas que ele viveu numa outra vida.

Terá algo a ver com isso, sim. É experiência de descoberta para o espectador, que descobre sensações, energias e imaginação novas perante aquilo que é tão antigo: ver um filme. Mas é dessa aliança entre o antigo e o novo que se faz o cinema de Apichatpong Weerasethakul (Joe para os que lhe são próximos ou para quem não quer tentar pronunciar o nome), que em 2004 recebera em Cannes o Prémio do Júri por "Tropical Malady". "Uncle Boonmee" foi comprado para Portugal pela Midas Filmes.

Não se julgava que um júri como este, em que as figuras mais tutelares, o seu presidente, Tim Burton, e o cineasta espanhol Victor Erice, vindas de mundos aparentemente tão opostos, pudesse chegar a "Uncle Bonmee..." O que quer que este palmarés revele de manobras para chegar a acordos (os prémios ex-aequo são sinal de compromissos, e há um prémio a dois intérpretes, Javier Bardem, por "Biutiful", de Iñarritu, e Elio Germano, por "La Nostra Vita", de Danielle Luchetti), a verdade é que foi premiado o que havia a premiar. E até pode ficar a ideia de um festival de arromba e não, como o foi, em perda.

Palmas para o júri, por exemplo, por ter assinalado com o Prémio da Realização a forma como Mathieu Amalric se metamorfoseia de actor à medida do cinema francês “d’auteur” num cineasta (e actor, também é interprete de "Tournée...") de tonalidades selvagens e de uma generosidade infantil. É essa a relação entre a sua personagem, um empresário de cabaret, e as suas “burlesque girls” – um dos momentos da cerimónia de entrega dos prémios, hoje no Palais do Festival, foi aquele em que Mimi Le Meaux, Kitten on the Keys, Dirty Martini ou Julie Atlas Muz subiram ao palco com o seu homem. "Tournée" está comprado para Portugal pela Clap Filmes.

Para a história da cerimónia fica ainda o momento em que Javier Bardem agradeceu à sua “amiga, companheira e amor”, Penélope Cruz. Ou, mais emocionante, aquele em que Juliette Binoche, depois de agradecer a todos os homens que a amaram e a suportaram, depois do “what a joy, what a joy, what a joy” que foi trabalhar com Kiarostami, levantou a placa com o nome Jafar Panahi. O cineasta iraniano, apoiante da oposição ao regime de Mahmoud Ahmadinejad, tinha sido convidado para integrar o júri, mas foi preso em Março pelas autoridades do seu país. Já durante o festival conseguiu passar uma mensagem a anunciar o início de uma greve de fome na sequência de maus tratos na prisão iraniana de Evin. A sua ausência foi presença constante em Cannes. “Um homem cuja falta é ser artista” no Irão, “um país que precisa de nós”, disse Binoche.

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