"Isto não é Hollywood, bebé"

Os Feromona são o estrépito distorcido do grunge sem mariquices "depressivo-introspectivas". São a celebração de tudo o que falha neles e neste país: os sonhos desfeitos, os deles e os delas, traduzidos em rock'n'roll que despe os Ornatos Violeta a distorção de "power-trio" e que verte o lirismo de Jorge Palma para romantismo desencantado.

Acontece que este álbum, o segundo dos Feromona, que apresenta logo no título o seu plano de intenções ("Desoliúde"), não se compraz em depressão. Pelo contrário, estas canções são a única forma de saborear uma vitória sobre ela. Porque tudo nelas tem cheiro a noite e suor, porque os coros de "Selvagem tosco" são prazer para viver em comunidade, porque a rockalhada Feromona não perde tempo com subtilezas: a guitarra de Diego Armés aponta à jugular, a secção rítmica de Bernardo Barata e Marco Armés amarra-nos no groove sem pedir permissão, e a gravidade da voz atira-se a nós sem pudor - "anda como os cães / gatinha como um homem".

Mais produzidos e consistentes do que na estreia ("Uma Vida a Direito"), sem prejuízo de vivacidade, ensaiam a sua versão de baladas yé-yé em "Desalento" (com Farfisa a iluminar o bailado), imaginam passeios por Tóquio no suave desvio exótico de "Narita Express", cantam "Alfama" em queda e vidas perdidas nas telas desencantadas de "Film noir". Caem e erguem-se novamente - sem espaço para verdadeira desilusão porque, na verdade, a ilusão nunca existiu. Sobram-lhes as guitarras e o rock'n'roll das guitarras.

Fazem um desvio jazzy em "O amor como nos filmes" (Nuno Prata adorará esta), entram em erupção incontrolável (o rock como catarse no "queres mesmo é sentir" de "Mulher em gomos") e encerram o álbum com a sátira que tudo regenera: "Isto não é Hollywood, bebé". Quando chega, já se fez ouvir o ponto central do álbum, o hino geracional para o país da crise onde a gente, contra todas as expectativas, vai fazendo pela vida. Chama-se, muito apropriadamente, "Canção para nós". Todos juntos, então: "Porque algum dia isto vai correr bem / Há sempre um dia em que o mundo é melhor / Sabes que um dia a gente pode bem / Inventar histórias sem dor / E rir das coisas sem querer".

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