A torre da Universidade como nunca a vimos antesCoimbra

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A torre foi construída em apenas cinco anos, entre 1728 e 1733, segundo o projecto do arquitecto Antonio Cannevari

a Aguentou, sem grandes sobressaltos, o terramoto de 1755. Resistiu à erosão provocada pelo tempo e pela acção do clima. E quase trezentos anos depois de ter sido construída, a Torre da Universidade de Coimbra está a ser alvo da primeira grande intervenção de restauro. Para evitar o encerramento ao público, durante vários meses, de um dos símbolos da cidade de Coimbra, os responsáveis da universidade decidiram transformar o estaleiro das obras de restauração num percurso aberto aos visitantes, dando a conhecer a torre como nunca a tínhamos visto antes. Habitualmente, as visitas turísticas ao monumento fazem-se através do interior da torre, subindo as escadas estreitas e claustrofóbicas, desaconselhadas a quem tem problemas de coração e onde só passa uma pessoa de cada vez. Agora, durante os seis meses da intervenção de requalificação, a visita é feita pelo exterior, num percurso realizado com capacete de protecção, através dos dezassete andares de andaimes que cobrem os 34 metros de altura da torre. As visitas ao estaleiro decorrem até Junho, mas a Universidade está também aberta a marcações para grupos mais técnicos, ligados a áreas profissionais como a arquitectura e a arqueologia (mais informações em http://www.uc.pt/torre). "No fundo criámos neste local um estaleiro pedagógico que nos permite aproximar as pessoas do monumento, dá-lo a conhecer numa perspectiva diferente, mostrando também o que é uma obra de restauro", afirma o pró-reitor da Universidade de Coimbra com o pelouro da Manutenção de Edifícios e da Candidatura à UNESCO, Raimundo Mendes da Silva. Não sendo uma intervenção muito complexa do ponto de vista técnico, esta não é uma obra qualquer: houve trabalhos preparatórios antes de as obras arrancarem que se prolongaram durante cerca de um ano para avaliar qual o estado de conservação do monumento. E para proteger a imagem simbólica da torre, que domina o topo da colina da Alta de Coimbra, foram colocados painéis gigantes que cobrem as quatro fachadas e que reproduzem, de forma fidedigna, a imagem do monumento. "É um monumento carregado de simbolismo para a Universidade e para a cidade e por isso considerámos importante manter a imagem tradicional da torre, mesmo durante a intervenção", diz Raimundo Mendes da Silva. De facto, há quase três séculos que a torre universitária domina a colina de Coimbra, erguendo-se no flanco noroeste do pátio das escolas da Universidade. Foi construída em apenas cinco anos, entre 1728 e 1733, de acordo com o projecto do arquitecto italiano Antonio Cannevari, levado a cabo sob orientação do então mestre-de-obras da Universidade, Gaspar Ferreira. A função desta torre escolar, que tem quatro sinos e um relógio, era clara: assinalar os momentos principais da vida académica, marcar os horários escolares, o início e o termo das aulas e o recolher obrigatório dos estudantes. Por essa razão, um dos sinos da torre é hoje apelidado de "A Cabra". Para que o som se distinga de todas as outras torres sineiras de Coimbra, os sinos da torre universitária tocam sempre em uníssono. Os estudos preparatórios da intervenção de requalificação concluíram que, apesar dos quase trezentos anos de idade, a torre e encontra em bom estado do ponto de vista estrutural, apresentando, contudo, sinais de degradação em estruturas secundárias que inspiravam alguma "preocupação". À medida que os visitantes vão subindo, por exemplo, as juntas de pedra da torre vão-se tornando cada vez mais degradadas. "Ao fim de trezentos anos de vida, até as vibrações dos três sinos da torre podem estar na origem de alguma "descoesão" das juntas", diz Fernando Marques, um dos engenheiros da Universidade de Coimbra, que acompanha os visitantes na subida da torre. Valorização da Alta Para reabilitar o monumento e dotá-lo de outras condições para poder receber visitantes, a intervenção de requalificação tem um caderno de encargos vasto. Aliás, a convicção dos técnicos envolvidos no projecto é de que esta é a primeira grande intervenção de requalificação desde que a torre foi construída no séc. XVIII. No terraço e na plataforma da torre, a 34 metros de altura, onde foram desenvolvidas as primeiras práticas de observação dos astros na Universidade de Coimbra, será feita uma consolidação e tratamento da pedra; nos alçados da torre serão limpas as enormes concentrações de vegetação, algas e musgos, que se acumularam ao longo dos anos. As superfícies de pedra serão objecto de acções de limpeza e de refechamento de juntas, uma vez que as entradas de água na estrutura são uma ameaça à integridade da torre. No interior do monumento, a requalificação passa pela reparação da escada em caracol e pela instalação de novas infra-estruturas eléctricas. Ao longo da subida ao topo da torre, os visitantes vão acompanhando os trabalhos de recuperação: os técnicos limpam as algas e líquenes que se encontram incrustados na pedra, escovam as sementes e as raízes que se acumularam nos blocos de granito ao longo das décadas e procuram blocos de pedra seccionados para, depois, se dedicarem à tarefa de montar um verdadeiro puzzle. A 30 metros de altura é possível reparar em pormenores de arquitectura que, ao nível do solo, passam despercebidos: entre a estrutura da torre e o vão dos sinos destacam-se uma série de esculturas ornamentais, com grinaldas e figuras humanas, que funcionam como elemento de ligação entre diferentes partes da torre; na plataforma, no topo da estrutura, é possível verificar que os mostradores dos relógios de marca Borrel Wagner (não são os originais e foram colocados em meados do séc. XIX) são feitos não em metal mas em cerâmica. "Cá em cima temos uma visão da torre completamente diferente, apercebemo-nos de pormenores que dificilmente conseguiríamos ver de outra maneira", diz Raimundo Mendes da Silva. A intervenção tem um custo global de 333 mil euros, que foram financiados em grande parte pelo Grupo Santander e pela Rede de Antigos Estudantes da Universidade de Coimbra, e faz parte de um plano mais vasto de recuperação e valorização da Alta Universitária, no âmbito da preparação da Candidatura da Universidade a Património Mundial da UNESCO. "Para termos sucesso nesta candidatura não nos basta recuperar o património material. Mas, sem dúvida que esta intervenção na torre, juntamente com outras, é relevante para credibilizar a candidatura da UC a património da humanidade junto da UNESCO. Mostra que a Universidade sabe fazer, sabe recuperar e que tem um plano para o futuro", refere o pró-reitor, que é responsável pela candidatura. Concluída a intervenção na torre, seguir-se-á a requalificação do Pátio da Universidade, das Escadas de Minerva e das acessibilidades ao Paço das Escolas. Depois, estão também programadas obras de requalificação do espaço exterior do Auditório da Reitoria, do Jardim da Cerca São Jerónimo e a recuperação do Largo da Rua Larga, que liga o topo das Escadas Monumentais ao Paço das Escolas e à Porta Férrea. A Universidade de Coimbra decidiu aproveitar as obras de restauro da torre universitária para dar a conhecer o monumento de uma forma original. O percurso dos visitantes é feito através dos andaimes da obra e mostra os detalhes de um monumento que estamos habituados a ver apenas ao longe, no topo da colina de Coimbra. Por André Jegundo (texto) e Adriano Miranda (fotos)

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