Inês de Medeiros: "Por que prescindo da comparticipação nas viagens"

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Enric Vives-Rubio

Durante seis longos meses fui vítima de uma sórdida campanha que ficará certamente para a pequena e triste história do lado mais negro e menos digno da política portuguesa.

A razão de tudo isto? A controvérsia gerada em torno do pagamento das minhas deslocações a Paris, onde, como é publicamente conhecido, reside a minha família. Importa salientar, mais uma vez, que eu nunca solicitei um tratamento de excepção e que sempre afirmei que aceitaria qualquer decisão tomada pelo Parlamento. Assumi mesmo todas as despesas das minhas deslocações até ao momento em que os serviços da Assembleia me disseram para deixar de o fazer.

Confesso que estava longe de imaginar que esta decisão da Assembleia da República seria o ponto de partida para um processo kafkiano absolutamente vergonhoso na forma como foi mediatizado. Transformou-se a minha necessidade de ir ver os meus filhos numa indecorosa exigência.

Ora o que aqui está em causa não são os montantes das minhas deslocações. Montantes pouco significativos em relação aos gastos correntes do Parlamento, como aliás todos os partidos com assento parlamentar muito bem sabem.

O que está, e sempre esteve, em causa é o respeito por uma garantia constitucional que atribui aos deputados as "condições adequadas ao eficaz exercício das suas funções", da qual deriva o "direito ao subsídio de transporte e ajudas de custo correspondentes". Mais simplesmente, o que está em causa é a garantia de que no Parlamento exista uma efectiva representatividade da realidade portuguesa. Foi aliás em nome da lei que os serviços da Assembleia me comunicaram que assumiam as despesas das minhas deslocações.

Foi o princípio básico da "igualdade estatutária dos deputados" que o parecer jurídico pedido pelo conselho de administração veio reafirmar. Foi esse mesmo princípio básico que partidos como o PSD e o BE acharam que deviam contestar. Não é de estranhar que sejam os que mais reclamam a propriedade quase exclusiva da ética republicana os primeiros a omiti-la assim que a demagogia chama.

Admirei na altura a posição adoptada no conselho de administração pelo PS, mas também pelo CDS e pelo PCP. Partidos que recusaram a via do populismo fácil que tanto contribui para o descrédito da actividade politica.

Qual não é pois o meu espanto quando sou confrontada com uma atitude de retrocesso do CDS, demonstrando a sua profunda incoerência, que outro objectivo não tem que o de relançar a polémica.

Por respeito para com o Parlamento e por respeito para com todos os deputados, tenho resistido o mais que posso a tomar uma atitude que certamente beneficiaria a minha imagem pessoal, mas que poderia ser usada para legitimar esta permanente campanha de fragilização da democracia representativa, mas recuso-me a alimentar, mais um dia que seja, esta controvérsia que reduz a política ao que ela pode ter de mais mesquinho. Também não aceito ser usada como bandeira eleitoralista do CDS.

Por isso tomei a decisão de prescindir da comparticipação nas despesas de deslocação, atribuída por despacho do senhor presidente da Assembleia da República.

Se já era a deputada sob o regime mais rigoroso da Assembleia, passarei agora a ser a mais prejudicada. Mas que importa. Tudo é preferível a pactuar com tão baixas atitudes. Talvez assim me deixem cumprir condignamente o meu compromisso para com os eleitores e continuar a defender a ideia que ainda tenho do que pode e deve ser a actividade política.

Inês de Medeiros, deputada independente eleita pelo PS no círculo de Lisboa

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