Torne-se perito

Grandes grupos económicos vão ficar isentos das mais-valias

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Agravamento da taxa pode afectar mercado bolsista ENRIC VIVES-RUBIO

Governo aprovou ontem a taxa das mais-valias mobiliárias, mas deixou de fora os contribuintes não residentes em Portugal e as SGPS

O diploma aprovado ontem em Conselho de Ministros agrava a tributação das mais-valias mobiliárias, mas mantém as actuais isenções aos contribuintes não-residentes em Portugal e das cúpulas dos grupos económicos, por onde passa parte significativa desses rendimentos.

O anúncio foi feito em conferência de imprensa e não se conhece ainda o diploma. Sabe-se que haverá uma taxa liberatória de 20 por cento sobre o saldo de mais e menos-valias geradas já em 2010 e isenta-se os saldos inferiores a 500 euros anuais, para não penalizar os pequenos investidores. Esse limite aplica-se aos primeiros 500 euros de qualquer saldo obtido. A receita esperada é de 240 milhões de euros em 2011, mas desconhece-se se haverá retenção na fonte, o que permitiria a arrecadação em 2010.

Apesar de instado, o Governo não esclareceu por que razão deixou de fora os investidores não residentes ou as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS). Ou seja, manter-se-á o actual regime de quase isenção para os grandes investidores.

Tributar estas mais-valias tem sido tabu desde a reforma fiscal de 1989. O IRS continua a ser pago pelos assalariados e pensionistas. Em 2000, o PS acordou com o PCP englobar as mais-valias no rendimento a tributar, mas a queda do Governo Guterres em 2001 acarretou a contra-reforma fiscal do Governo Durão Barroso. O regime da quase isenção foi então restabelecido. O programa do Governo previu em 2005 a adesão às melhores práticas da OCDE. Mas Sócrates adiou a taxação, sem prazo, prometendo-a até 2013. Depois, face ao descalabro orçamental, integrou-a no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC), mas sem data, quando houvesse condições nos mercados. Mas, subitamente, coincidindo com preocupações da Comissão Europeia face ao PEC, o Governo avançou. José Sócrates afirmou no Parlamento: "Não é despido de significado o facto de o Governo iniciar a aplicação do PEC com a tributação das mais-valias mobiliárias."

Inconstitucionalidade?

O actual regime é francamente benéfico para as mais-valias mobiliárias. Assim o assinalou o grupo de trabalho nomeado pelas Finanças para o Estudo da Política Fiscal, que propôs a taxação a 20 por cento, mas de todas as mais-valias mobiliárias.

O regime em vigor prevê a isenção das mais-valias geradas por títulos detidos há mais de um ano e de 10 por cento para as geradas por títulos detidos há menos de um ano. Mas o Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), artigo 27.º, prevê - e essa parte não será alterada - uma isenção em IRS e IRC das mais-valias realizadas por não residentes em Portugal, salvo se essas entidades forem detidas em mais de 25 por cento por residentes ou tenham sede em offshores fiscais. Por outro lado, o artigo 32.º do EBF fixa que as mais-valias das SGPS, sociedades de capital de risco e investidores de capital de risco não concorrem para o lucro tributável desde que detidas há mais de um ano.

Qual é a sua importância? Não se sabe. O Ministério das Finanças não divulga estatísticas nem facultou números subjacentes às receitas do PEC. Mas os responsáveis da tributação sobre o rendimento sempre defenderam que essas isenções eram uma lacuna na equidade, pressupondo que a parte de leão passaria por aí.

A manutenção da isenção pode abrir uma "porta" à evasão. Antes do anúncio, os escritórios de advogados e de consultoras transferiram títulos para sociedades não residentes, como se apostassem que o seu regime ficaria intocado.

Em parte, a medida anunciada parece atenuar estes movimentos. A taxa incidirá sobre os saldos geradas ao longo de 2010, ou seja, mesmo antes da nova lei vigorar. E isso é inconstitucional por se estar a tributar retroactivamente? A Lei Geral Tributária consagra que "se o facto tributário for de formação sucessiva, a lei nova só se aplica ao período decorrido a partir da sua entrada em vigor". Ora, o ministro das Finanças recusa: "Não nos parece que estejamos perante uma situação de retroactividade."

Resta a questão de saber porque optou o Governo por uma medida que poderá provocar litigância judicial. Mas mais uma vez essa litigância apenas poderá ser exercida por quem disponham de bens capazes de obstar a uma liquidação tributária, ou seja, com uma garantia bancária de igual montante. O Ministério das Finanças não respondeu ontem às dúvidas do PÚBLICO.

O diploma terá de ser debatido pelo Parlamento, juntamente com dois projectos de lei apresentados pelo PCP e Bloco de Esquerda que prevêem,precisamente a eliminação das isenções previstas.

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