Um "western" assombrado

Há cinco anos, quando Mazgani lançou o seu primeiro disco, podíamos ser tentados a concluir que ele era um acólito da dor de corno à guitarra, e que o seu quarto de adolescência estava pejado de posters de Cohen, Jeff Buckley e dos American Music Club - isto se alguma vez tiver havido posters dos American Music Club. Mas no ano passado, quando Mazgani lançou o EP "Tell The People", a agulha tinha-se mudado para a América selvagem e carnívora, e as sombras do Tom Waits mais furioso e dos 16 Horsepower trespassavam aquelas cinco canções.

O EP surge na íntegra e como bónus no final de "Song of Distance", o segundo disco de Mazgani, mas entre o EP e "Song of Distance" vai uma grande distância: as influências de "americana demoníaca" que grassavam pelo EP foram diluídas e "Song of Distance", mesmo se ainda centrado na América do pecado em luta contra a rectidão, é já a voz de um autor. Disco de "westerns" assombrados, "Song of Distance" vive de guitarras, contrabaixo, percussões variadas (da bateria ao que parecem ser latas) e do espaço entre os instrumentos, ocupado pela voz, ora de pregador inflamado ora de acossado a ruminar. Há blues bêbedos, rockabilly zonzo, country com culpa, hillybilly com defeito na bílis, gospel engolido em arrependimento. Da fotografia de família que enquadra Mazgani constam Waits, Dylan e Cash, claro, mas em fundo encontramos Sony Boy Williamson, Lightnin' Hopkins e John Lee Hooker.

Isto é o som de um homem que se recolheu num barraco em decomposição no meio do mato e tem por única companhia uma serpente que o tenta e a lagarta no fundo da garrafa. Um tremendo disco de pulsões versus culpa, genitália versus Bíblia: a banda sonora dos piores dias de Sam Sheppard e, aqui e ali, da nossa vida. Deus guarde este homem.

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