Viagem pelas estações da alta velocidadeTGV

Uma estação não é só um edifício com bilheteiras. Deve oferecer conforto e serviços aos passageiros. Mas já lá vai o tempo das grandes estações ferroviárias que parecem palácios. A preocupação agora é com a sua funcionalidade, a inserção com o meio envolvente e sobretudo a ligação a outros modos de transporte. Uma viagem ao futuro pelas estações do TGV em Portugal. Por Carlos Cipriano

a Caia, Évora, Gare do Sul (Barreiro), Oriente, Oeste (Rio Maior), Leiria, Coimbra, Aveiro, Gaia, Campanhã, Aeroporto Sá Carneiro, Braga e Valença. São 13 as estações que vão servir as futuras linhas de alta velocidade, mas isso não significa que os comboios do futuro, que vão circular a mais de 300 quilómetros por hora parem em todas. Por isso, a Rave está a estudar a tipologia de cada uma para as adequar aos serviços associados às leis de paragem de cada TGV. Haverá comboios que farão Lisboa-Porto em 1 hora e 15 minutos e outros que tardarão mais porque param em estações intermédias. E poderá haver serviços regionais de alta velocidade, por exemplo, entre Évora e Leiria ou entre Braga e Aveiro, bem como comboios que circulam nas novas linhas para servir destinos da rede convencional (Guarda, Régua, Faro, por exemplo).

Cada estação é um caso, explica António Laranjo, director de projecto da rede de alta velocidade da Rave. "Não vamos fazer estações lindíssimas desenhadas por grandes arquitectos, mas vamos ter um cuidado especial nos serviços adequados ao respectivo público e sobretudo perceber a sua inserção no meio e de onde vêm e para onde vão os passageiros que as vão utilizar", diz, chamando a atenção para o facto de as pessoas terem uma origem e um destino antes e após a viagem no comboio propriamente dita, sendo necessário facilitar-lhes a viagem na sua totalidade com bons acessos às estações.

Das 13 estações, porventura a mais avançada é a de Évora, que distará sete quilómetros do centro da cidade, mas cuja localização é excelente: fica junto ao nó da A6 com a N16 e possuirá um terminal rodoviário com autocarros, táxis e parque de estacionamento, kiss and rail (parque de curta duração).

O projecto de Souto Moura prevê um edifício de vidro e pedras nobres, bem inserido na paisagem, aberto, amplo e muito funcional. O comboio passará no primeiro andar, onde estarão quatro linhas (duas para a alta velocidade e duas para a rede convencional de bitola ibérica). Em baixo ficarão os serviços. Do seu interior avistar-se-á a planície alentejana e alguns edifícios. António Laranjo espera que esta e outras estações não fiquem sufocadas no meio de urbanizações que, entretanto, ali se construam. Por isso, tem havido um diálogo com esta e outras autarquias para acautelar que as novas centralidades proporcionadas pela alta velocidade não permitam a especulação do uso do solo e haja um equilíbrio entre a estação e as actividades económicas que a rodeiam. "O projecto prevê que lá de dentro se vejam árvores cá fora. O PDM de Évora ditará se continuará assim ou não", diz António Laranjo.

A estação de Elvas

A estação de Badajoz ainda não tem nome. Pode até chamar-se simplesmente Caia, o rio que faz a fronteira entre os dois países. Para acentuar o carácter internacional desta estação, pensou-se construí-la precisamente em ponte sobre o rio, mas a bacia hidrográfica do dito e a necessidade de se fazerem enormes obras sobre viaduto levou a uma solução mais paradigmática. A estação de passageiros ficará do lado espanhol e o terminal logístico de mercadorias do lado português.

Ainda sem projecto, esta estação não estará integrada em nenhuma das PPP (parcerias público-privadas) em que assenta o modelo de negócios da alta velocidade. Será alvo de um concurso internacional lançado por Portugal e Espanha e, para já, só se sabe que assentará no terreno (as linhas não ficarão num viaduto nem num túnel). A autarquia de Badajoz já mostrou interesse em que esta seja a principal estação ferroviária da cidade, levando até ela o prolongamento da linha convencional. Para quem reside em Elvas, a futura gare ficará a 12 quilómetros da alta velocidade.

A Gare do Sul não terá serviço de alta velocidade, mas faz parte do projecto da Rave porque fica no extremo sul da Terceira Travessia do Tejo. Poderia chamar-se Barreiro ou Lavradio, mas a ideia de Sul é opor-lhe, no outro lado do rio, a Gare do Oriente. Duas estações na margem de um rio ligadas por uma ponte.

A sua localização será muito próxima da actual estação do Barreiro e a câmara e a Rave estão a estudar a sua inserção na malha urbana e as ligações aos diversos modos de transporte. Só terá serviço ferroviário convencional - o suburbano e o longo curso vindo do Alentejo e Algarve.

Em Lisboa, a Gare do Oriente reforçará a sua vocação de grande estação intermodal, ao acomodar também a valência de alta velocidade. Das actuais oito linhas passará a ter 11, cinco das quais dedicadas à alta velocidade. A sua ampliação custará perto de 100 milhões de euros (a terem início em 2011) e António Laranjo garante que não ficará descaracterizada, até porque é uma obra referenciada a nível internacional. Mas, desta vez, os passageiros terão mais conforto porque estão previstas protecções para o vento e para a chuva.

Santiago Calatrava é, naturalmente, o responsável pelo projecto de ampliação, uma obra na qual juntará mais 30 às suas famosas "árvores" (cada uma pesa 45 toneladas). Mas um outro catalão terá também uma palavra a dizer na requalificação urbana da zona. Juan Busquets foi o estratego da transformação urbanística de Barcelona por altura dos Jogos Olímpicos e já trabalhou na Expo "98 em Lisboa. Compete-lhe agora fazer o plano de urbanização daquela zona, tendo em conta que já entraram na Câmara de Lisboa muitos pedidos para construção µ

± nos terrenos livres a norte da estação. O objectivo é privilegiar actividades terciárias em vez de deixar construir apartamentos.

Depois da Gare do Sul e da do Oriente, segue-se a estação Oeste. Será das mais baratas, quase um apeadeiro, com duas linhas no meio e duas plataformas de cada lado, e ficará no meio do nada, mas praticamente ao lado do nó da A15 com o IC2, perto de Rio Maior e a 30 quilómetros de Santarém e das Caldas da Rainha.

Já a de Leiria será uma verdadeira estação intermodal, servindo conjuntamente a linha do TGV e a Linha do Oeste. Localizada nos arredores da cidade, já na fronteira com a Marinha Grande, perto da A8 e A17, será uma estação ao nível do terreno e com infra-estruturas de parqueamento e terminal rodoviário. Tendo em conta o dinamismo económico desta região, a Rave realizou um estudo para saber de que forma a alta velocidade, a possibilidade de se ficar a 30 minutos de Lisboa e 45 do Porto, poderá mudar as relações sociais e económicas. "Mais do que saber o que Leiria vai ganhar, queremos saber é de que maneira é que Leiria se pode antecipar e preparar-se para vir a ganhar com a alta velocidade", diz António Laranjo.

Também aqui se exige um planeamento cuidado do uso dos solos para que a envolvente da estação "não fique à mercê dos apetites imobiliários puros, mas sim colocada ao serviço da actividade económica da região", diz o mesmo responsável.

Também a estação de Coimbra será um verdadeiro interface que alberga o TGV, serviço da Linha do Norte e da Beira Alta, os suburbanos da Figueira da Foz, o Metro Mondego e ainda o terminal rodoviário da cidade. A megaestação será construída 600 metros mais a norte da actual, com um edifício que se vai erguer sobre as linhas férreas, ficando estas ao nível do solo com vários pisos de serviços por cima.

"Vamos desencalhar Coimbra", diz António Laranjo, referindo-se às potencialidades desta estação para criar uma nova centralidade na cidade e ser um centro de onde irradia toda a rede de transportes urbana e regional.

O primeiro estudo de localização apontava para a futura estação em Taveiro, a sete quilómetros do centro, mas entendeu-se que era importante aproximar o TGV da cidade e fazer o "dois em um" com a alta velocidade e a rede convencional num só ponto. Os técnicos da Rave estão satisfeitos com a solução agora encontrada, apesar de isso implicar um túnel sob o Mondego por onde passará a futura linha que emerge à superfície já à entrada da futura estação.

Nova estação em Gaia

Em Aveiro, porém, a engenharia não conseguiu trazer a alta velocidade à cidade e a estação ficou relegada para a zona de Albergaria, perto da A25, A29, A1 e A17. Talvez um dia venha a ser importante se e quando se construir a linha Aveiro-Salamanca, mas, até lá, há a consolação para os aveirenses de poderem ter comboios de alta velocidade na sua estação central, graças a uma tecnologia que permite às composições adaptarem-se aos dois tipos de bitola.

Novidade recente é o estudo para uma estação também em Gaia (que não estava prevista no projecto inicial da Rave). Poderá até chamar-se Porto Sul e não será muito cara porque se trata apenas de alargar em alguns metros um extenso túnel que atravessará Vila Nova de Gaia para ir desembocar à Ponte de S. João ou a uma nova ponte ferroviária. Esta estação subterrânea ficará na zona de Sto. Ovídio/Laborim e poderá ser complementada com um parque empresarial que a autarquia tem planeado para aquela zona.

Campanhã terá de ser ampliada, mas não sairá dos seus limites actuais, explica António Laranjo. Algumas das linhas serão adaptadas para a alta velocidade, haverá construção de infra-estruturas, mas a gare actual não ficará muito diferente quando tiver de acomodar o TGV. Uma das razões é que Campanhã não será uma estação terminal, mas sim uma gare de passagem, porque as composições deverão prosseguir para o Aeroporto Francisco Sá Carneiro, que será verdadeiramente o fim da linha (serão ali construídas as oficinas de manutenção do TGV).

"Em Braga, foi de todo impossível juntar as duas estações numa só", explica o director de projecto da Rave. O que é uma pena, porque parece um naufrágio à vista do porto. A localização conseguida, nas imediações de Gondizalves e Semelhe, fica a escassos dois quilómetros da actual. Terá articulação com a rede viária através da A3, IP1, A11/IV14 e A11/IP9, o que fará de Braga a estação do TGV de Guimarães, Barcelos ou Santo Tirso, dadas as facilidades de acesso.

Por fim, Valença. Do lado de lá do Minho fica a Galiza e em poucos minutos o comboio de alta velocidade alcançará Vigo. Na última estação portuguesa só pararão algumas composições. Por isso, esta é também uma gare de passagem, algures na zona de Gandra, a sueste da cidade e a dois quilómetros do centro. E como não ficará longe da A3, servirá também as povoações envolventes que aqui poderão apanhar o comboio rápido para o Porto, Coimbra, Lisboa, Évora, Badajoz, ou até para Faro.António Laranjo, Director do projecto de rede de alta velocidade da RAVE

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