A Indianápolis do Noroeste peninsular

O Porto que já era a capital do feroz automóvel de alta cilindrada ou do romântico carro antigo será também em Maio a Meca do rali em perímetro urbano. Qual Indianápolis, o Porto dedica-se de tal maneira às máquinas de quatro rodas que nem comemora os Dias Europeus Sem Carros. Explica Rui Rio que tanto cheiro a pneu e óleo vai ao encontro da devoção dos portuenses ao desporto automóvel. Será?

Talvez o leitor não faça parte da tribo nem saiba que em causa está, como diz Rio, uma "tradição de décadas". Pode ser até que a maioria fuja das corridas da Boavista como o diabo da cruz. Certo e seguro, isso sim, é o amor do presidente aos carros. Um amor tão declarado que não se esperaria um programa de promoção da cidade no qual os ralis ou outras corridas não constassem. Ou que estivessem até à frente de outras actividades que o presidente militantemente não aprecia - tipo teatro experimental ou free jazz.

A passagem do Rally de Portugal pela praça emblemática do Porto obriga, no entanto, a uma nova reflexão. A de saber até que ponto o gosto de Rui Rio pode ser imposto em doses tão industriais aos munícipes. Ou, por outras palavras, se não há um dever de neutralidade nas opções públicas, que tente, ao menos, acolher os gostos e as sensibilidades estéticas ou outras de grupos distintos de cidadãos.

Há, claro, o argumento estafado de que estes eventos não são apenas panis et circensis. Que servem para promover a cidade no exterior. Mas também aí há margem para se discutir a valia da opção automóvel: transformar a praça principal do Porto num circuito de carros poluidores e roncantes pode libertar adrenalina e produzir espectáculo; mas nenhum cidadão culto de Portugal ou do mundo se comoverá com o show. Pelo contrário, se houver uma mensagem a retirar da manifestação é a de uma cidade banal, que não se importa de entregar o seu monumental centro cívico a um festival de saltos e malabarismos.

Conversa de intelectuais, dirão muitos. Em parte. Mas tente-se ao menos imaginar uma cidade com um bocadinho de carros a menos e um pouco mais de música ou de teatro nas ruas. Pondo as coisas ao contrário, pense-se como seria patética uma política de promoção feita apenas com concertos de, digamos, Mozart. Não é esse exagero que está a acontecer com tantos carros?

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