Fez-se fogo-de-artifício no maior acelerador de partículas do mundo

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Cientistas celebram: "É fantástico o momento que vivemos" FABRICE COFFRINI/AFP

A máquina que tentará saber de que é feito tudo o que existe no Universo obteve as primeiras colisões de partículas a altas energias. Com os percalços para trás, começou a ser feita física

Aplausos, sorrisos rasgados, copos de champanhe. Os cientistas que estavam ontem no Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN), em Genebra, não cabiam em si de contentamento. Onze anos após o início da sua construção, o maior acelerador de partículas do mundo fez as primeiras colisões a energias jamais alcançadas pelo homem. A partir de agora, pode começar a recriar como nunca antes as condições do Universo após o Big Bang, para desvendar de que é feita a matéria ao mais ínfimo pormenor.

Às 12h06 de Lisboa, as partículas postas a circular ao início da manhã no Large Hadron Collider (LHC), como se chama o acelerador, puderam finalmente colidir a energias elevadas. "Fizemos três tentativas. Agora estamos em colisão", anunciava Steve Myers, director de aceleradores e tecnologia do CERN. "Estamos todos muito emocionados e felizes." Para perceber o que isto significa, façamos uma viagem à fronteira franco-suíça e desçamos a 100 metros de profundidade: é aí que se encontra instalado o LHC, num túnel circular de 27 quilómetros de comprimento.

Ao longo do túnel, vão acelerar-se dois feixes de partículas (protões), que viajam quase à velocidade da luz e que, pelo caminho, 1200 ímanes forçam a manter na trajectória pretendida. Estes feixes viajam em sentido contrário, pelo que dão voltas e mais voltas entre a fronteira. Em certos locais, vão colidir e espera-se que, nos estilhaços desses embates, se encontrem novas partículas que permitam aprofundar os conhecimentos sobre a matéria. Para apanhar os produtos das colisões, pelo túnel há quatro grandes detectores de partículas, com os nomes Atlas, CMS, ALICE e LHCb.

O acelerador foi inaugurado em Setembro de 2008 com festa: afinal, esta máquina única estava em construção há nove anos e em preparação há quase duas décadas. Era um grande momento na história de mais de 50 anos do CERN, recheada de muitas descobertas, e onde, além dos 2500 cientistas que ali trabalham, 6500 usam as suas instalações. Porém, poucos dias depois teve uma avaria eléctrica e a entrada em funcionamento foi sendo adiada por sucessivos problemas - até que, a 20 de Novembro, foram injectadas as primeiras partículas. Nesse mês, deram-se as primeiras colisões.

A energia das colisões foi sendo aumentada, o acelerador foi sendo calibrado e a 19 de Março atingiu-se um recorde de energia: sete teraelectrões-volt (TeV, ou sete biliões de electrões-volt), com cada feixe de protões a ter 3,5 TeV. Esta energia é metade da potencialidade final da máquina.

E ontem chegou um grande momento: pôr em colisão os dois feixes de protões a sete TeV no total, para que o maior acelerador do planeta possa entrar numa nova fase, começando por fim a fazer física e deixando para trás os percalços e calibrações.

A missão não se adivinhava fácil: "Só o próprio alinhamento dos feixes é um desafio: é como disparar agulhas através do Atlântico e fazê-las colidir a meio do caminho", dizia, antes, Steve Myers. E quando por fim tudo aconteceu, exclamou: "Estou sem fala."

A energia atingida foi 3,5 vezes mais alta da alguma vez alcançada num acelerador de partículas. "Estas primeiras colisões a sete TeV marcam o ponto de chegada e de partida. É o fim de 20 anos para construir um acelerador com uma complexidade e tamanho sem precedentes. E é o início de uma era fantástica de exploração da física. Vamos avançar na compreensão do muito pequeno e do muito grande do Universo", disse Fabiola Gianotti, porta-voz para o detector Atlas.

Assim que os feixes colidiram, na terceira tentativa, Gianotti conta que nos computadores viu-se logo a interacção entre as partículas: "Vimos um fogo-de-artifício no detector, algo completamente diferente até agora. É fantástico o momento que vivemos".

Até Dezembro de 2011, o LHC manter-se-á a funcionar a metade da sua potencialidade, depois fará uma paragem de rotina por 13 meses para ser preparado para passar dos sete para os 14 TeV, explica Gaspar Barreira, do LIP - Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas, em Portugal, e que participa nas experiências de dois dos quatro detectores.

Grandes questões

Mas as energias obtidas já permitem recriar as condições do Universo nos primeiros milionésimos de segundo após o Big Bang, há 13.700 milhões de anos. A diferença está no número de "acontecimentos" interessantes, como os físicos chamam ao que resulta das colisões. "O número de acontecimentos é metade. Como os físicos se interessam por acontecimentos raros, é preciso o dobro do tempo para a mesma quantidade de dados."

O que procuram são respostas para grandes questões: de que é feita a matéria? O que é a matéria escura, que constituiu grande parte do Universo mas se mantém teimosamente invisível? O bosão de Higgs, partícula que explicaria por que algumas têm massa e outras não, existe mesmo?

A onda de entusiasmo pôde ser acompanhada na Internet e em videoconferência. Apareceram director-geral do CERN, Rolf Heuer, e o director científico, Sergio Bertolucci, que estavam no Japão e comemoravam de forma peculiar: "Estamos a celebrar com uma garrafa de vinho tinto de 1991, o ano de aprovação do LHC, e batatas fritas, porque aqui é hora de jantar."

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