Um prémio para a arquitectura zen

Foto
Learning Center, Instituto de Tecnologia, Lausana, Suíça cortesia sanaa

Não é uma surpresa a atribuição do Prémio Pritzker à dupla japonesa Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa. O Japão é um centro da arquitectura mundial e os dois são uma das últimas paixões das revistas de arquitectura. Portugal não tem passado ao lado deste entusiasmo e encomendou-lhes o novo pólo de Serralves. Por Jorge Figueira

O prémio Pritzker 2010 foi atribuído ao atelier SANAA, de Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa. Formado em Tóquio em 1995, este atelier tem ganho um crescente prestígio e internacionalização que agora culmina na atribuição do prestigiado prémio. Sejima e Nishizawa têm também uma importante actividade como professores em diversas universidades, incluindo a Princeton School of Architecture. O seu trabalho tem vindo a ser divulgado em todo o mundo, nas mais importantes publicações de arquitectura. Não é por isso uma surpresa a atribuição deste prémio. Devemos ter em conta que o Japão é um dos principais centros da arquitectura contemporânea.

Será, no entanto, oportuno relembrar que a arquitectura japonesa ocupa um lugar central no imaginário da arquitectura moderna, da Europa à América. Uma das referências de Frank Lloyd Wright é exactamente essa cultura, com a qual toma contacto na famosa Exposição Colombiana de 1893, em Chicago. Desde então, a espacialidade, a fluidez, até a suavidade da construção tradicional japonesa estarão sempre presentes na saga da arquitectura moderna.

Depois da Segunda Guerra Mundial, acompanhando o milagre da recuperação económica, emerge no Japão um conjunto de arquitectos que serão centrais na cena contemporânea. O "metabolismo" é o movimento que fixa a participação japonesa na vanguarda arquitectónica. A ideia de que o edifício se pode metabolizar, isto é, transformar, num fluxo contínuo, capta a imaginação dos arquitectos no início dos anos sessenta e é a matriz de diversas gerações desde então. O "metabolismo" era uma resposta radical, utópica, à procura de equilíbrio - entre a máquina e a natureza, entre o progresso e a tradição -, que é central na cultura japonesa. Este enunciado ganha várias formas e é testado ao longo das últimas décadas. Foi, entretanto, generosamente celebrado pelo prémio Pritzker: Kenzo Tange foi premiado em 1987, Fuhimiko Maki, em 1993, e Tadao Ando, em 1995. A estes nomes devemos acrescentar os de Irata Isozaki e de Toyo Ito como centrais em qualquer história da arquitectura contemporânea.

O diálogo entre a vivência do "caos" de Tóquio e uma relação zen com a vida, entre o consumismo e a civilidade, ou entre a cultura da imagem e o intimismo, ganha uma expressão eloquente na obra de Sejima e Nishizawa. Podemos falar de uma continuidade a vários níveis: entre a cultura tradicional, a moderna e a global; entre o mundo exterior e o interior. A "pele" - o "invólucro" do edifício - é, na obra de Sejima e Nishizawa, o garante deste processo de continuidade e equilíbrio. Sendo um dos temas-fetiche da arquitectura contemporânea, tem na obra da dupla japonesa uma especial importância: é o momento que define a elegância do edifício. Dir-se-ia que encontraram uma cosmética perfeita para essa "pele": uma palidez elegante; uma rarefacção de luz. Sem show off; elegante como Audrey Hepburn por oposição às Marilyn Monroe da arquitectura contemporânea.

Formas da natureza

As qualidades zen da obra de Sejima e Nishizawa, esse equilíbrio inscrito na história mais longa da cultura japonesa, continuam a encantar o mundo ocidental, que vive perante a sua impossibilidade. De facto, a extrema materialidade ganha aqui uma componente quase metafísica. Como escreve o júri do prémio: "A presença física perde importância e é criado um fundo sensual para as pessoas, objectos, actividades e paisagens." Se é figura ou fundo, objecto ou cenário, é discutível. Mas até nisso há algo de enigmático: perante as figuras e objectos translúcidos desta arquitectura há muito de misterioso e inalcançável. Ou de cinematográfico.

A obra de Sejima e Nishizawa cumpre o velho sonho moderno de um espaço transparente, diáfano, de que a arquitectura japonesa é matriz, a que se deve acrescentar a nova cultura dos computadores e da era digital. Como os próprios dizem: "Os computadores trouxeram transformações nas sensações de todos nós. Por isso se pode falar de uma relação entre os computadores e a nossa arquitectura."

Duas das suas obras mais recentes permitem-nos perceber como evoluíram. O pavilhão para a Serpentine Gallery, em Londres, que realizaram em 2009, é uma cobertura "orgânica", suspensa com perfis de aço. O uso mínimo de elementos remete para uma aproximação às formas da natureza. É interessante estabelecer um paralelo com a arquitectura de Oscar Niemeyer: o uso da curva, a procura do essencial. Mas onde na arquitectura moderna brasileira a afirmação orgânica é violenta e fundacional - uma marcação do território -, aqui a sua contrapartida é diáfana, ligeira, zen. Noutra escala, o New Museum of Contemporary Art, em Nova Iorque, é uma sucessão de "caixas" cujo recorte geométrico vai criando terraços e um trabalho apurado sobre a luz. A "pele", o revestimento do edifício, surge, mais uma vez, como a estratégia central desta arquitectura.

Depois de Zaha Hadid, que obteve o prémio em 2004, o Pritzker volta a ser atribuído a uma mulher, Kazuyo Sejima, em 2010. À dupla de arquitectos foi atribuído, por concurso, o projecto da estrutura Serralves 21, que será um pólo multifuncional, alargando o espaço das colecções da Fundação. E portanto, esta arquitectura zen, moderna, tradicional e global, poderá futuramente ser visitada em Matosinhos.

Sugerir correcção