Chacina no Congo traz de novo à luz um dos mais tenebrosos conflitos africanos

Foto
Guerrilheiros do Exército de Libertação do Senhor Corinne Dufka/REUTERS

O Exército de Resistência do Senhor (LRA), fundado em 1987 no Norte do Uganda, matou em Dezembro passado pelo menos 321 civis e raptou 250, numa acção de que só agora se soube, por meio de um relatório da Human Rights Watch (HRW).

As Nações Unidas deveriam aumentar as suas forças de manutenção de paz nas áreas da África onde aquela guerrilha actua, como Makombo, no Nordeste da República Democrática do Congo (RDC), onde a chacina se verificou, ao longo de quatro dias, disse a HRW.

“Foi uma das mais graves chacinas jamais cometidas pelo LRA, na sua sangrenta história de 23 anos. E demonstra que continua a ser uma grave ameaça para os civis, não sendo de forma alguma uma força em extinção, como dizem os governos ugandês e congolês”, sublinhou Anneke Van Woudenberg, investigadora da organização.

“Um rasto de morte: as atrocidades do LRA no Nordeste do Congo” é o título do relatório de 67 páginas sobre o que a guerrilha dirigida por Joseph Kony fez em 2009 e no início de 2010.

Este trabalho baseia-se numa missão da HRW que foi no mês passado ao terreno e que assim conseguiu documentar a tenebrosa operação que, de 14 a 17 de Dezembro, decorreu na remota área de Makombo, no distrito de Haute Huele, que faz fronteira com o Sul do Sudão.

Os combatentes de Kony atacaram pelo menos dez aldeias, assassinando e raptando centenas de civis, incluindo mulheres e crianças. No entanto, a grande maioria dos mortos eram adultos, que os militantes do LRA primeiro ataram e depois mataram à catanada ou esmagando-lhe o crânio com machados ou paus.

O grupo, dirigido por um homem de 49 anos que se intitula “Mensageiro de Deus”, empenhado em construir uma sociedade à base dos Dez Mandamentos, matou depois os raptados que andavam demasiado devagar ou que tentavam escapar ao seu controlo.

Os parentes e as autoridades locais vieram a encontrar depois os corpos ao longo de todo o caminho de 105 quilómetros trilhado por uma das mais tenebrosas milícias que África tem conhecido nas últimas décadas.

As testemunhas ouvidas pelos investigadores da HRW contaram que, durante dias e semanas depois dos ataques, toda a vasta área entre Makombo e Tapili estava empestada pelo “cheio a morte”.

Crianças e adultos que conseguiram, apesar de tudo, escaptar ao calvário vieram a confirmar toda a conhecida extrema brutalidade de uma guerrilha que se diz baseada na Bíblia e que tem espalhado o terror na zona onde confluem o Norte do Uganda, o Nordeste da RDC e o Sul do Sudão.

Muitas das crianças capturadas eram obrigadas a matar outras crianças, quando elas desobedeciam às regras do movimento, que mistura cristianismo, misticismo, religiões tradicionais africanas e feitiçaria. Em numerosos casos, as crianças deveriam colocar-se em volta da vítima e fazer turnos para a atingirem fortemente na cabeça com um grande pau, até ela morrer.

No "Coração das Trevas"

A Missão de Observação das Nações Unidas no Congo (MONUC) tem menos de mil capacetes azuis na vastíssima área de mato muitas vezes impenetrável em que o LRA actua e que chega a incluir território da República Centro-Africana. É como que “O Coração das Trevas” de que falava Joseph Conrad no seu perturbante romance de 1902.

Em vez de enviar mais tropas para proteger as populações, destaca a HRW, as Nações Unidas, sob pressão das autoridades de Kinshasa para se retirarem da RDC até Julho de 2011, está a pensar transferir já em Junho próximo, para outras regiões, parte das tropas que tem no Nordeste.

Segundo os dados das Nações Unidas, num período de dez meses que englobou parte de 2008 e parte de 2009, o LRA matou mais de 1200 pessoas; mas até agora isso não parece ter sensibilizado muito a comunidade internacional.

“O povo do Nordeste do Congo necessita de mais protecção; e não de menos”, sublinha Anneke Van Woudenberg. “O Conselho de Segurança da ONU deveria travar qualquer redução das (chamadas) tropas de manutenção da paz das áreas onde o LRA ameaça matar e raptar civis”.

Sugerir correcção
Comentar