Indemnização a Walter Bom é a maior de sempre por erro hospitalar

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Walter Bom está totalmente cego desde que, a 17 de Julho do ano passado Luís Efigénio (arquivo)

Walter Bom está totalmente cego desde que, a 17 de Julho do ano passado, lhe aplicaram uma injecção nos dois olhos no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Ontem, ficou a saber o valor da indemnização a atribuir para compensar esses danos, proposta por uma comissão arbitral presidida pelo juiz desembargador Eurico Reis: 230 mil euros. É a maior indemnização de sempre em Portugal devido a um erro hospitalar.

Ao longo do dia de ontem, os seis doentes, que cegaram a 17 de Julho devido à troca de um medicamento injectado nos olhos, foram-se dirigindo para a administração do Hospital de Santa Maria e sendo informados, um a um, da indemnização proposta pela comissão arbitral, promovida pelo próprio hospital.

Deveriam ter recebido injecções de Avastin, que em cinco dos doentes serviriam para tratar retinopatias diabéticas e no doente restante uma vascularização anómala da retina. Em vez disso, foi-lhes aplicado um fármaco usado em quimioterapia, que destruiu as células dos olhos.

Walter Bom e Maria das Dores Monteiro foram os únicos que receberam injecções nos dois olhos e que, por isso, não vêem nada. Ele, cozinheiro de profissão, tinha 47 anos quando cegou. Ela tinha então 53 anos, e a compensação monetária que lhe propuseram andará entre os 100 mil e 150 mil euros, segundo apurou o PÚBLICO.

Tanto Walter Bom como Maria das Dores Monteiro mantiveram-se incontactáveis todo o dia de ontem. Publicamente, Walter Bom já tinha dito que, pelos seus cálculos, 800 mil euros seria o valor justo da compensação e admitia recorrer aos tribunais, se a proposta fosse muito baixa.

Até agora, a maior indemnização por erro médico em Portugal rondava os 225 mil euros, determinados pelo Supremo Tribunal de Justiça num caso de responsabilidade médica em Março de 2008. Um homem, de quase 60 anos, ficou impotente sexualmente e com incontinência urinária devido a um diagnóstico errado e consequente operação a um cancro da próstata, de que não sofria, numa clínica privada. O médico responsável foi condenado a pagar-lhe os 225 mil euros.

O preço dos olhos

Para fixar os valores, os membros da comissão arbitral começaram por fazer um relatório médico detalhado de cada doente, para perceber qual era o seu estado clínico à data da intervenção e as perspectivas de evolução futura. No caso de Walter Bom, por exemplo, conclui-se que teria ainda pelo menos mais dez anos de visão acima do limiar mínimo, o que lhe permitiria continuar a viver do mesmo modo e a realizar as mesmas actividades durante esse período. Em relação a outros doentes, que já viam muito mal na altura do procedimento médico, esse tempo era mais curto - daí as indemnizações propostas serem mais baixas.

Aos relatórios médicos individuais seguiram-se peritagens do Instituto Nacional de Medicina Legal para aferir do grau das lesões. Concluídas as avaliações médicas, foram aplicadas tabelas para estabelecer os valores finais das indemnizações.

Américo Palhota, de 71 anos e que até ao tratamento que lhe cegou o olho esquerdo tinha um quiosque de jornais em Lisboa, recebeu a proposta de 32.500 euros. Ainda não a aceitou, pelo que nos próximos 30 dias, prazo dado pela comissão para tomar uma decisão, pretende informar-se sobre se esse valor é justo.

"Os olhos não têm preço. E eu não estou habituado a comprar e vender olhos. Não aceitei, mas não quer dizer que não venha a aceitar, senão isto passa ao esquecimento e é papelada e mais papelada."

Considera, porém, o valor proposto baixo: "32.500 euros por me terem cego é muito pouco. A vista esquerda ficou logo cega. E da vista direita vejo tudo muito turvo. Não é o dinheiro que me vai fazer ver, mas acharia mais justo 50 ou 60 mil euros", refere. "É complicado ver só com uma vista. Agora não faço nada, com muita pena. Gosto muito de trabalhar."

Segundo Américo Palhota, que é diabético, a comissão justificou o valor da sua compensação dizendo que, em dois anos e pela sua idade, deveria ficar cego.

Maria Antónia Martins, de 66 anos, costureira em Vendas Novas, já aceitou a proposta que lhe fizeram. Não quer revelar o valor da indemnização ("Tenho muito medo dos gatunos"). Diz apenas que é "mais um bocadinho" do que foi proposto a Américo Palhota. "Pensava que seria um bocadito mais. Se fosse a injecção que devia ter sido, ficava a ver e assim fico em casa. Não posso coser, nem limpar, nem cozinhar", lamenta. "Quis aceitar e ficar despachada. Já estou velha e eles também não podem fazer milagres. Eu já tinha problemas na vista. Está arrumado."

António Rodrigues, que na altura do tratamento tinha 54 anos, e Maria José nunca quiseram falar com a comunicação social, mesmo quando estiveram internados após a troca de medicamentos. A Maria José terão sido propostos 26 mil euros.

Fármaco trocado

No início, pensou-se que o problema estaria no Avastin, o fármaco que deveria ter sido administrado a seis doentes no Hospital de Santa Maria. Mas a investigação do Ministério Público concluiu que o medicamento injectado nos olhos dos doentes não era afinal o Avastin (nome comercial do bevacizumab), mas um fármaco usado em quimioterapia. Esse medicamento tinha um rótulo com o nome escrito à mão e, na farmácia do hospital, onde as injecções foram preparadas, foi borrifado com álcool.

Isso tornou ilegível o nome, pelo que o farmacêutico e a técnica de farmácia pensaram ser a substância certa. Só que era um fármaco para quimioterapia, com o nome também começado pela letra B e que destruiu células nos olhos.

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