Quem foi Elizabeth Siddal?

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No século XIX um grupo de artistas desafiou as convenções pictóricas. Quase tudo se resumia à representação do corpo. Lizzie Siddal serviu "esse" corpo. Foi pintada por muitos, rejeitada por outros.

Elizabeth Siddal (1829-1862) foi modelo, poeta, pintora e musa da Irmandade dos Pré-Rafaelitas, movimento artístico inglês do final do século XIX constituído pelos poetas e pintores Walter Deverell, William Holman Hunt, John Everett Millais, Dante Gabriel Rossetti, William Morris, entre outros. John Ruskin, o crítico, socialista e revolucionário da época, legitimou o grupo dizendo que a Irmandade era "o dealbar de uma nova era na arte".

"Adoecer", de Hélia Correia, gravita em torno desse mito, Lizzie, e das figuras do seu tempo. Descreve os pré-rafaelitas como "o grupo de jovens e loucos com dom poético". J. B. Bullen em "The Pre-Raphaelite Body" (1998) acrescenta que eles pintavam "a contracorrente da tradição académica".

Por volta de 1848, este grupo de artistas "desafiou abertamente as convenções pictóricas para criar uma linguagem visual nova e novos modos de representação do mundo material", escreve Bullen. Quase "tudo" se resumia à representação do corpo, rejeitando o modelo inspirado por Rafael e pelos Renascentistas. "O corpo é representado como 'distorcido', 'mutilado', eroticizado, ou violado. É aqui que a linguagem da crítica de arte está sob pressão."

Para servir "esse" corpo eram necessários modelos. Surge, então, Lizzie Siddal, acicatando paixões e ódios no seio da comunidade. O poeta William Allingham viu-a pela primeira vez. "Uma terrível história começava e ele seria o instrumento do começo", escreve Hélia Correia. Havia ali uma descoberta e "o que quer que estivesse a suceder seria repartido por eles todos". Foi disputada e pintada por muitos, rejeitada por outros. Millais cedo compreendeu a origem do seu fascínio. "[Siddal] Tinha um corpo selado na tragédia, um apetite sacrificial. 'Hei-de pintar esta mulher', pensou [Millais]. Imaginava-a num cenário de narcisos. Não sabia que estava a vê-la morta". É Millais quem lhe dá "vida" no corpo morto de "Ofélia", pintura que hoje está na Tate Gallery.

Com Rossetti, Siddal haveria de descer na espiral do Inferno amoroso. Hélia Correia explica que "nada previa que humanos sexualmente se juntassem fora de enquadramentos existentes e há muito nomeados, um por um". Rossetti e Siddal quebram as convenções, vivem juntos um amor não-legitimado aos olhos da sociedade. O corpo dela deteriorava-se na lânguida neurastenia do século XIX usando a doença como arma de sedução, enquanto Rossetti enlouquecia lentamente.

A cabeleira ruiva e indomável que não conseguia conter sob o chapéu tornava Lizzie Siddal na incarnação viva do modelo dos homens da época. "A longa cabeleira que embaciava, embora não perdesse a cor, contava a sua própria narrativa de uma pujança sensual que, aos poucos, a passagem do tempo arruinava", escreve Hélia Correia.

Apesar de o movimento de jovens rebeldes se ter dissipado, "persistiu o motivo não-conformista", diz Bullen, e os momentos de pré-rafaelitismo que se seguiram foram muito impulsionados ainda pela figura de Gabriel Rossetti que, escreve Hélia Correia, "inspirava a mística do grupo, arrancava-se dele com brusquidão como a criança que interrompe o jogo".

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