União monetária e união política

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YVES HERMAN/REUTERS

O euro não impulsionou a integração política. Pelo contrário, a integração recuou

Na revista Foreign Affairs de Novembro de 1997, o professor de Harvard e principal economista de Reagan (1982-84) Martin Feldstein escrevia que a moeda única europeia inevitavelmente levaria à união política. Para Feldstein, sem políticas monetárias nacionais e com as políticas orçamentais dos estados espartilhadas pelo Pacto de Estabilidade, teria de ser transferido muito dinheiro da União Europeia para os países da moeda única que atravessassem crises. "Financiar estas transferências exigirá uma significativa subida das receitas fiscais cobradas pela UE".

Não se concretizaram as previsões de M. Feldstein (hoje céptico quanto à Grécia e ao euro). Afinal, a moeda única não impulsionou a integração política. Pelo contrário, essa integração recuou. E o orçamento da UE não aumentou nem se vislumbra que ultrapasse o escasso um por cento do PIB comunitário, não permitindo qualquer federalismo fiscal.

Assim, não funcionam na zona euro os "estabilizadores automáticos" que existem em estados federais. Se, por hipótese, uma grande baixa do preço do petróleo trouxer a recessão ao Texas, entram em vigor automaticamente mecanismos anticíclicos: por exemplo, a crise reduz a receita dos impostos cobrados pelo governo federal e aumenta as verbas federais para subsídios de desemprego. Nada disto existe na zona euro, acrescendo que o Pacto de Estabilidade limita as políticas orçamentais anticíclicas dos estados. Por isso muito boa gente lhe chamou "pacto de instabilidade".

Estes problemas, conhecidos há muito, voltaram à actualidade com a crise grega, que levanta dúvidas sobre o futuro do euro, cujo câmbio cai (o que tem o lado positivo de favorecer a recuperação económica europeia). As divergências entre os países da UE quanto à ajuda à Grécia reforçaram essas dúvidas e subiram o prémio de risco nos créditos aos gregos - e também aos portugueses.

Poderá sobreviver uma moeda sem Estado, como é o euro? Em Junho de 2005, contra o argumento de que a união monetária europeia não poderia manter-se sem união política, The Economist dizia que "numerosas uniões monetárias funcionaram sem união política - a Grã-Bretanha e a Irlanda tiveram uma durante mais de 50 anos".

Mas algo é necessário fazer para enfrentar crises como a da Grécia, sabendo-se que o tratado proíbe que a UE salve da falência qualquer estado-membro (ponto essencial para o tribunal constitucional alemão). Um fundo monetário europeu exigiria uma revisão do tratado, processo que, depois do calvário das recentes revisões, ninguém encara lançar.

Para os alemães, que com relutância deixaram o euro substituir o marco, tudo se resume a reforçar as sanções aos países incumpridores, incluindo a exclusão da zona euro, que o tratado actual não permite. A Alemanha esquece que ela própria já violou o Pacto de Estabilidade, sem sofrer sanções; e que, com a França, em 2005 promoveu a "flexibilização" do pacto.

As instituições europeias também são responsáveis por terem deixado agravar o descalabro grego. Quem hoje vigia a sério as finanças de cada país do euro são os mercados, depois de durante largo tempo não terem distinguido entre esses países.

Até para acalmar os mercados, do Conselho Europeu desta semana terá que sair um plano claro de ajuda à Grécia, para o caso de Atenas dela necessitar. Provavelmente empréstimos bilaterais e voluntários dos países do euro à Grécia, desejavelmente coordenados pela Comissão Europeia, com condições e taxas de juro severas. Se não houver plano ou o juro for demasiado alto, resta à Grécia recorrer ao FMI - A. Merkel acha agora que esse é o caminho. Uma humilhação para a UE, até porque, indirectamente, poria os Estados Unidos, o maior accionista do FMI, a resolver uma questão europeia.

Não há coordenação das políticas na zona euro. Muito menos um governo económico - um sonho francês e um pesadelo alemão. Quarenta e quatro por cento das exportações alemãs vão para os outros países da UE. Mas a Alemanha não quer estimular a procura interna, o que permitiria aumentar as suas importações desses países - assim os ajudando e ajudando-se a si própria, ao acelerar o fraco crescimento económico alemão.

O euro não vai acabar por causa desta crise. Mas a zona euro poderá vir a reduzir-se a um grupo restrito de países em torno da RFA, entre os quais não estará Portugal Jornalista (franciscosarsfieldcabral@gmail.com)

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