Ao contrário do maravilhoso épico orquestrado por Van Dyke Parks e editado em 2006, "Have One On Me" não inventa um universo cuidadosamente construído onde cada elemento cumpre um propósito específico, imprescindível à visão de conjunto da obra. Gravado ao longo de dois anos, mostra Joanna Newsom alternando entre piano e harpa e ajudará a que se desvaneça a imagem de elfo irrompendo de um mundo de fantasia. Não porque esses traços tenham desaparecido: continuamos a pressentir algo de etéreo e mantém-se o olhar fascinado sobre a natureza e os seres não humanos que a habitam. Mas, agora que a conhecemos há tanto, vemos nisso algo de familiar - como que um reencontro. E agora, pormenor imprescindível, há muito mais terra e pó a cobrir o mundo celestial de Newsom. A folk dela, visão pessoalíssima, embrenha-se na tradição e é certo que ouviremos falar muito de Joni Mitchell (basta ouvir "California") e de Graham Nash (o piano que guia "Good" tem a mesma sensibilidade pop). Como nunca antes, ouvimos a harpa descobrir progressões gospel ("Ribbon bows" tem algo de "With God by our side") e o piano escapar para o blues como recriado por Cat Power (a comovente "Does not suffice", que encerra o terceiro disco). Porém, nada disso surge como inflexão de rumo. Joanna não desceu dos céus para descobrir a terra. Não é essa a natureza da sua música. "Easy", a primeira canção, tem o piano banhado em orquestrações opulentas, dialogando de forma vincada, tremendamente expressiva, com a voz, cada vez mais distante dos agudos "élficos" de "Milk Eyed Mender". "Does not suffice", a última das 18 canções, tem a alma vivida do blues, violino puxando pela "country" e harmonias vocais que nunca lhe ouvíramos antes. Entre uma e outra existe o disco 2, ponto de paragem onde é a harpa que conduz toda a música: um contínuo onde pontes e refrães são coisa inexistente. Entre uma e outra, repetimos para avançar, reencontramos a riqueza de "Ys", com trompetes, oboés, violinos e fagotes, e descobrimos melodias folk de mistério britânico que, sem sobressaltos, desembocam em misticismo oriental. Em "Have One Me", a harpista mostra-se pianista, a compositora que inventara um mundo só seu acrescenta-se à tradição "singer-songwriter". Mas, acompanhada por Ryan Francesconi, responsável pelos arranjos, e pelo percussionista Neal Morgan, continua a habitar um espaço inconfundível, de uma riqueza arrebatadora. "Ys" foi um momento irrepetível. Este álbum é uma prova de excelência.
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