Morte de Zapata foi "crime horrendo"

Entrevistado ao telefone pelo PÚBLICO, Sánchez afirmou, a partir de Havana, temer o pior, dada a determinação do grevista. E criticou a comparação feita pelo Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, entre os prisioneiros de consciência cubanos e os de delito comum.

Qual é o estado de saúde de Fariñas?

Estável, mas muito delicado, internado nos cuidados intensivos do Hospital de Santa Clara. Prossegue na sua greve de fome e sem beber água.

Mas está a ser tratado...

Sim, estão a ministrar-lhe soluções salinas, glucose e outros líquidos por via intravenosa.

Teme o pior?

Absolutamente. No caso dele, o Governo está por fim a fazer o que deveria ter feito com Orlando Zapata. Só o levaram para uma sala de cuidados intensivos a 12 horas da sua morte. Já estava moribundo. O estado de Fariñas causou uma particular preocupação na sexta-feira porque não tinha ainda urinado, temendo-se a falência da função renal.

O Governo parece também irredutível neste caso...

Sim, mas na prática as autoridades levaram-no para os cuidados intensivos e com bastante prontidão. Ao contrário do que aconteceu no outro caso.

... que não teria tido o desenlace que teve.

Se tivessem feito a mesma coisa a Zapata, ele não teria morrido. A sua morte era completamente evitável.

Perante a irredutibilidade das autoridades, não acha que foi uma morte inútil?

Bom, eu sou presidente da Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, que não está de acordo com a greve de fome como forma de protesto porque põe uma vida em perigo. Mas a comissão culpa de uma forma muito clara o Governo por aquela morte, que considera um crime horrendo.

Há mais casos de greves de fome?

Houve outros, sim, mas de menor duração. Mas neste momento a única é de Fariñas, que está muito determinado.

Mas não afasta a hipótese de outros opositores seguirem um protesto igual...

Muitos detidos, a nossa comissão e a própria sociedade civil não concordam com estas formas de luta, ainda que pacíficas.

O que acha da posição brasileira sobre estes casos?

Não temos nada contra o Brasil. Contamos com a solidariedade do povo brasileiro. Mas estamos muito decepcionados com as declarações do Presidente Lula. Ele, que foi um líder sindical, visitou três vezes Cuba e em nenhuma delas disse uma palavra sobre a situação deplorável dos trabalhadores cubanos, vítimas de uma exploração quase inédita, que lhes paga salários de miséria, como uns 15 a 17 dólares por mês. Agora, na última visita, comparou os prisioneiros de consciência cubanos com os criminosos comuns brasileiros, uma verdadeira ofensa à nação cubana. Assim, o que ele veio fazer foi apoiar a ditadura totalitária dos irmãos Castro.

Quantos presos políticos há em Cuba?

Pelo menos 201. Destes, 65 são presos de consciência adoptados pela Amnistia Internacional, incluindo 54 detidos na Primavera de 2003.

E ao que parece encarcerados em muito más condições...

Em condições infra-humanas. Em Cuba há mais de 200 prisões e campos de prisioneiros. No total, há uns 80 mil cubanos detidos, a maioria, claro, por delitos chamados comuns. Mas cremos que milhares estão inocentes. Pensamos que metade seria libertada se se fizesse uma pequena reforma no código penal e o Governo compreendesse que há pessoas acusadas de delitos que não existiram.

Mas em que condições, concretamente?

Em condições cruéis, desumanas e degradantes. Muitos dormem no chão, a comida é pouca e má, a água que bebem é inquinada, os cuidados médicos são insuficientes, tal como os medicamentos de que precisam. São condições inaceitáveis. Por isso é que o Governo não permite a entrada no país da Cruz Vermelha Internacional e de outras organizações humanitárias, ou a Amnistia Internacional.

Fidel falou no caso de Zapata. Que papel tem tido nestes casos?

Ele continua a ser o símbolo deste regime totalitário.

Só símbolo?

Ele e o irmão Raúl são as duas caras da mesma moeda.

Mas não continua a condicionar a política real?

O meu trabalho são os direitos humanos, não a política. Mas tenho a sensação de que continua de facto em funções, a tomar decisões e a aprovar a política.

[O eco da comunicação torna-a difícil]

A polícia está a ouvir neste momento isto tudo?

Absolutamente tudo!

Pode ser detido...

Podem deter-me mas já não me prendem, nem a mim nem aos meus colegas, como antes. O Governo já não está a recorrer a grandes condenações. Agora são só detenções arbitrárias, e com frequência. Podem deter-me neste mesmo momento, mas não acontecerá nada. Em Dezembro, por exemplo, documentámos pelo menos 93 detenções arbitrárias por motivos políticos. Em Janeiro, 103. E agora, em Fevereiro, 236, mais do dobro do mês anterior.

Podemos falar de aumento da pressão sobre a oposição?

Sim, de um aumento da repressão.

Como é o dia-a-dia de um dissidente cubano?

A maioria de nós não tem qualquer apoio do Governo. Este é o virtual empregador dos cubanos. [Má comunicação] Muitos recebem ajuda dos familiares do exterior, outros escrevem para alguns meios incluindo a Internet, mas são pagos muito modestamente. Eu tenho 66 anos e dedico todo o meu tempo, e já pouca força, à promoção e defesa dos direitos humanos. Trabalho num escritório que só tem mais duas pessoas. Mas temos cobertura nacional, com muitos voluntários.

E todos muito vigiados?

A polícia política é muito poderosa. Tem capacidade para controlar cada cidadão.

O Governo acusa os dissidentes de receberem dinheiro dos Estados Unidos...

Isso é uma infâmia total! A maioria dos dissidentes vive em condições de extrema pobreza. O funeral de Orlando Zapata Tamayo foi em sua casa, uma cabana, numa rua de terra, numa aldeia do Leste. A maior parte vive assim, como ele viveu. O Governo diz que recebemos milhões de dólares de Washington, mas isso é impossível, devido até à Lei Helms-Burton [de embargo dos EUA contra Cuba].

Sugerir correcção
Comentar