Quadros de Raul Solnado vão a leilão para futura escola de teatro

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Um rosto do actor em bronze pintado pelo escultor Martins Correia fotos.: daniel rocha

Raul Solnado tinha um sonho, fazer uma escola de teatro. E uma paixão, a arte. Para realizar o sonho, os filhos vão vender os seus quadros

Amigos de Raul Solnado e pessoas ligadas ao teatro já mostraram interesse em comprar o que lhe pertencia. Mas não serão os únicos - entre os muitos admiradores do actor estão também anónimos na multidão. Algumas das obras de pintura, aguarela, desenhos e caricaturas que enchiam as paredes das casas do comediante ocupam, a partir de domingo, duas salas da Leiloeira do Correio Velho, em Lisboa, para uma exposição que antecede o primeiro de três dias de leilão, quarta-feira, 17.

No conjunto, serão mais de 60 obras pertencentes ao humorista, entre outros 200 quadros - de pintores como Eduardo Batarda, Hogan, Nadir Afonso, Joaquim Rodrigo - que também vão a leilão.

O filho mais velho do actor, Renato Solnado, conhece bem cada peça, lembra-se do dia em que entraram em casa e do lugar exacto onde estavam - "na parede da sala, do quarto, do corredor, da cozinha".

Sabe quais as oferecidas por pintores amigos do pai, ou as que foram por ele compradas nas vernissages que frequentava, com entusiasmo, quando estava bem, até dois anos antes de ser levado pela doença em Agosto passado. Aponta, por exemplo, a serigrafia de 1968 de Vieira da Silva, oferecida e com uma dedicatória da pintora, como o único quadro do tempo em que os pais (Raul Solnado e a actriz Joselita Alvarenga) eram casados.

Não tem ideia de quanto poderá render o leilão. Neste momento, nem quer ter. Cada obra exposta tem uma história, um valor sentimental, para a família. Mas também para os admiradores e amantes do teatro. Pode haver surpresas e, nalguns casos, peças a serem vendidas por dez vezes o preço estimado de licitação, diz João Pinto Ribeiro, presidente da leiloeira. Se aconteceu em leilões de peças pertencentes a Jacqueline Kennedy, à princesa Diana ou a Elton John, por que não aconteceria com uma pessoa "merecidamente mediática como Raul Solnado"?

Quase todos os seus quadros, agora reunidos em duas salas, contam histórias dos quase 60 anos de carreira do comediante. O filho admite: "[Vender as peças] foi uma decisão difícil, mesmo sabendo que é para concretizar o seu sonho."

Manter vivo o nome do pai

O sonho de Raul Solnado era criar uma escola de teatro. E a ideia era ele próprio fazê-la ainda em vida. Só nos últimos anos começara a dar aulas de teatro, juntando-se à ex-mulher, a Joselita Alvarenga e ao filho, Renato. Entusiasmara-se com a experiência e desse entusiasmo nasceu a ideia. "A escola era uma ideia que tinha começado muito pequenina e que, com o tempo, foi crescendo", conta Renato.

O importante para a família, explica, é manter vivo o nome do pai, "não deixar que ele desapareça". E, para isso, será importante lançar a Escola de Teatro Raul Solnado (com um curso profissionalizante completo de três anos, como ele queria), e associá-la a um museu com o espólio do actor: livros, escritos, fotografias e quadros mais pessoais que ficaram fora do leilão.

Algumas das obras que Solnado tinha na sua casa do Bairro Azul em Lisboa ou na casa na Aroeira têm dedicatórias dos pintores - Júlio Pomar, Graça Morais, Vieira da Silva, entre outros. Também há caricaturas de Pedro Leitão ou do dramaturgo brasileiro Millôr Fernandes, da década de 70. O quadro de 1990 do pintor e actor José Viana, Duas Figuras, é apontado como um dos mais interessantes - Viana era amigo de Solnado desde os primeiros tempos, com 18 anos, da Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul. O quadro de 2003 de Manuel Amado, Sobe o Pano, que Solnado comprou em 2007, tinha para ele um significado especial. Nele está pintado não o palco, mas o que o actor vê: camarotes e pessoas, sem rosto, que se confundem com as luzes.

Na sala da casa de Solnado estava um rosto do actor em bronze pintado pelo escultor Martins Correia e um retrato de 2002 por Luís Guimarães, que capta o que Solnado era no final da vida, com um fino fio ao pescoço, camisa e blazer, aponta Renato. E conclui: "Diz-se que um bom retratista é aquele que capta a alma do retratado e aqui é isso que se vê."

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