Cavaco Silva não acredita que o Governo desconhecia negócio entre PT e TVI

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Cavaco não esclareceu quando irá anunciar se se recandidata a Belém PEDRO CUNHA

O Presidente da República mostrou reconhecer algumas fragilidades na situação política, mas deixou claro que não será ele a ter a iniciativa de dissolver a Assembleia da República

O Presidente da República recusou-se a responder sobre se estava esclarecido acerca da tentativa da PT adquirir a TVI em meados do ano passado. Mas, na entrevista que deu ontem à RTP, Cavaco Silva deixa claro que, da sua experiência como primeiro-ministro, considera que uma tal operação não podia acontecer "sem o conhecimento prévio do Governo".

Quando questionado sobre se era possível que um primeiro-ministro não soubesse da intenção de uma empresa como a PT em adquirir um canal de televisão privado como a TVI, Cavaco começa por afirmar um inequívoco "penso que não". Mas a seguir tentou recentrar a questão no quadro de como as coisas devem acontecer. "Numa sociedade democrática, a compra de uma estação de televisão não pode deixar de ser uma operação absolutamente transparente", disse, repetindo a ideia da transparência. E, perante a insistência da pergunta sobre se era possível tal operação não ser do conhecimento prévio do primeiro-ministro, responde: "Não só sem o conhecimento prévio do Governo, mas sem o conhecimento prévio da opinião pública". Antes, tinha deixado escapar uma referência à ética nos negócios: "Não me esqueço que por trás da crise financeira internacional está a violação de regras éticas".

Neste que foi um dos momentos mais difíceis da conversa com Judite de Sousa, Cavaco Silva tentou ainda dar uma explicação sobre a sua intervenção à época. Recordando ter dito em Junho passado, em Guimarães, que "era obrigação dos responsáveis da PT esclarecerem o que se passava entre a empresa e a TVI", o Presidente acrescentou: "Custa-me a crer que uma declaração minha tenha determinado a decisão da PT" em não concretizar o negócio. "Com certeza que existiam outras razões para que a PT cancelasse o negócio", acrescentou. Mas sobre se se encontra esclarecido sobre o que se passou, aí não deixou que a jornalista tirasse conclusões.

As suspeitas que recaem sobre o primeiro-ministro em torno deste negócio (e no processo Face Oculta) estiveram presentes durante grande parte dos 50 minutos. Foi outro momento clarificador da mensagem do Presidente. Confrontado com este ambiente de suspeição, Cavaco Silva responde: "Espero que esses processos façam o seu caminho, que as responsabilidades sejam apuradas e no fim se perceba que ninguém está acima da lei".

Apesar da sua grande preocupação com a estabilidade política, sobretudo por causa da situação económica e das atenções internacionais, Cavaco Silva não escondeu que reconhece a fragilidade da situação política do país. Deixou-o claro ao usar muitas formas negativas: "Não se pode dizer que o Governo não está a governar"; "não podemos dizer que não existam condições de governabilidade"; "não existe uma crise política propriamente dita neste momento".

Mas, por outro lado, deixou claro que não será ele a atirar a primeira pedra. "O Presidente não pode em termos constitucionais demitir o Governo, mas apenas dissolver o Parlamento perante uma grave crise política ou impasse institucional", lembrou. Para depois falar em termos directos: "A bomba atómica só deve ser utilizada em situações excepcionais". E essas estão longe de existir, afirmou.

Confrontado com os riscos políticos da comissão de inquérito sobre o negócio PT/TVI, empurrou para o Parlamento quase toda a responsabilidade: "As conclusões políticas serão tiradas em primeiro lugar pela Assembleia da República". E confirmou que "só no caso de ser aprovada uma moção de censura é que o Presidente da República tem de ponderar o que fazer". Decisões antecipadas, nem pensar: "Só nessa altura ponderarei", e só depois de ouvir o Conselho de Estado e os partidos. "Serei sempre um referencial de estabilidade política", afirmou, lembrando o quadro de governo minoritário que já não existia há mais de 10 anos.

Actuação do procurador

Onde Cavaco Silva também não colocou todas as certezas do mesmo lado da balança foi nas matérias de Justiça. Questionado sobre a actuação do procurador-geral da República no processo Face Oculta, recusou-se a afirmar se mantém ou não a confiança em Pinto Monteiro. "As questões não se colocam assim", disse, para deixar claro: "O Presidente da República não pode dar sequência àquilo que eventualmente pense" sobre um procurador-geral "se não receber uma proposta do Governo". Por três vezes recusou-se a avaliar "em público" a actuação de Pinto Monteiro, mas afirmou que já trocou com ele "impressões em privado". O que garante é que nunca fez uma única pergunta sobre o processo Face Oculta: "O senhor procurador transmite-me as informações que ele entende".

Até ao fim da entrevista, Cavaco reafirmou que está íntegra a sua "cooperação estratégica" com o Governo, que as suas relações com o primeiro-ministro são "relações de trabalho nor- mais" e recusou-se a responder se o Programa de Estabilidade e Crescimento traduz um aumento de impostos, deixando essa "controvérsia política" para os partidos. Nas várias vezes que se referiu à situação económica, elegeu como problema prioritário o desemprego e deixou clara a diferença entre a situação de Portugal e da Grécia. E prometeu analisar o que fizeram os seus antecessores para escolher o momento de decidir sobre a sua recandidatura.

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