Morreu Costa Martins, o capitão de Abril que "tomou" a Portela

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O ex-militar foi ministro do Trabalho em vários governos provisórios Pedro Inácio (arquivo)

Tinha como missão tomar a torre de controlo do aeroporto da Portela, impedir a aterragem de aviões e interditar o espaço aéreo português. E foi com esses objectivos que o então capitão da Força Aérea Costa Martins, que morreu anteontem num acidente aéreo no Alentejo, chegou ao aeródromo militar de Lisboa, junto ao aeroporto, no dia 25 de Abril de 1974. Tinha 36 anos e era, segundo Otelo Saraiva de Carvalho, "um homem de acção e de grande capacidade de decisão".

Costa Martins deveria contar com o apoio do Exército nesta operação, mas houve um atraso. Sozinho, dirigiu-se ao oficial de dia e convenceu-o de que "estava tudo cercado" por forças militares e era inútil resistir, conta Otelo ao PÚBLICO. Só cerca de uma hora depois chegaram os militares do Exército e foi então que Costa Martins subiu e "assaltou" a torre de controlo do aeroporto.

Com este feito, o seu nome ficou marcado na história do 25 de Abril. E não foi por nenhum acto de heroísmo que Costa Martins morreu, anteontem à noite, no fim de um passeio de avioneta com o seu amigo José Alberto Sousa Monteiro, antigo comandante da TAP e piloto da aviação civil na reforma. A aeronave em que seguiam despenhou-se durante a aterragem numa herdade próxima de Montemor-o-Novo, no distrito de Évora, de onde, horas antes, tinham levantado voo para um passeio turístico, provocando a morte de ambos. Tinha 72 anos.

"Era determinado e cumpriu os compromissos que assumiu no 25 de Abril", frisa o coronel da Força Aérea Tasso de Figueiredo.

Foi também José Inácio da Costa Martins, natural de Messines, onde nasceu, em 1938, quem preparou o avião que, na manhã de 26 de Abril, no dia seguinte ao golpe militar, transportou o Presidente e o primeiro-ministro depostos, Américo Thomaz e Marcelo Caetano, para a Madeira, de onde depois partiram para o exílio no Brasil. Acompanharam-nos no mesmo voo os ex-ministros Moreira Baptista e Silva Cunha.

Mais tarde, a 31 de Maio, o primeiro Presidente da República do pós-25 de Abril, António de Spínola, convida-o a integrar o Conselho de Estado, tendo chegado depois a ministro do Trabalho nos II, III, IV e V governos provisórios de Vasco Gonçalves. Tornou-se então conhecido como o ministro do "Dia do Trabalho", quando apelou a "um dia de salário para a nação", o que deu lugar a conflitos e a acusações, que se viria a provar serem falsas, de se ter apropriado desse dinheiro.

Terá sido, aliás, na sequência de divergências relacionadas com essa questão que surgiu o contencioso que ainda mantinha com o actual presidente da Associação 25 de Abril, Vasco Lourenço. Ontem, contactado pelo PÚBLICO, este recusou fazer qualquer declaração sobre a morte de Costa Martins.

No final do chamado "Verão Quente", e com a chegada ao Governo do almirante Pinheiro de Azevedo, Costa Martins perde a sua influência e acaba por deixar o país. Expulso da Força Aérea, foi para Cuba e depois para Angola, onde chegou a estar preso. Anos mais tarde, regressa a Portugal, onde move um processo contra o Estado. O general na reserva Vizela Cardoso responde em tribunal, cerca de duas décadas depois, acusado de declarações ofensivas do bom nome e devassa da vida privada de Costa Martins. Este acusa ainda outros dois ex-generais da Força Aérea por danos morais e patrimoniais.

Martins acaba por ganhar o processo e consegue repor a sua antiguidade na carreira, sendo promovido a coronel. Nesse mesmo dia, pede a reserva e, com o dinheiro da indemnização, monta um negócio imobiliário no Algarve. Passa então a dividir o seu tempo entre Lisboa e aquela região. O seu corpo chega amanhã à capital, onde será cremado.

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