Torne-se perito

Robert Murat continua a ser ameaçado de morte e perdeu o sentido à vida

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Murat acusa os jornais ingleses de não quererem saber a verdade virgilio rodrigues

A sua vida ficou "despedaçada". Quis ajudar, alega, mas acabou arguido. Tenta agora encontrar um rumo. Mas essa noite de 2007 continua a persegui-lo

Robert Murat, três anos depois do desaparecimento de Maddie, na Praia da Luz, continua com a vida "despedaçada" por ter estado no "lugar errado, à hora errada".

O primeiro suspeito no envolvimento do desaparecimento da criança foi este inglês, de 36 anos, que bastou ter sido constituído arguido para receber uma condenação da opinião pública da qual nunca mais se libertou. Em entrevista ao PÚBLICO, a primeira que dá a um órgão de informação desde o desaparecimento da criança inglesa, deixa no ar a pergunta que ainda hoje lhe retira o sono: "Eu tive três amigos dos McCann, na PJ, a dizer que me tinham visto lá naquela noite [3 de Maio, 2007]. O que eu pergunto é porque é que eles mentiram?".

"Eu também tenho uma filha", diz Robert Murat, a recordar Sofia, de sete anos, que vive em Inglaterra com a mãe. "A minha família foi igualmente vítima - os jornalistas invadiram a localidade onde moram, e a polícia britânica teve de levar a minha filha para um lugar seguro." A ex-mulher, diz, "chegou a ter uma oferta de 220 mil euros para dar uma entrevista a dizer que eu era pedófilo". Não cedeu. Robert Murat, em defesa da sua honra e bom nome, mandou processar 13 órgãos de comunicação britânicos. Recebeu uma significativa indemnização, mas não revela a quantia.

Apesar das pressões e das ofertas monetárias para que falasse - ofereceram-lhe mais de 300 mil euros para se deixar filmar e falar sobre o caso Maddie -, calou-se. Agora, depois do livro A Verdade da Mentira, de Gonçalo Amaral, o responsável pela coordenação da investigação deste caso, ter visto a sua venda proibida por ordem do Tribunal Cível de Lisboa, e de os jornais britânicos voltarem ao assunto com a divulgação de imagens que alegadamente a polícia portuguesa descurou, decide falar ao PÚBLICO.

Desde que se viu envolvido neste processo, Robert Murat ainda anda à procura de um rumo a dar à sua vida. "Passei por situações horríveis. Ainda há pouco tempo, recebi uma carta com ameaça de morte, escrita em inglês, enviada de França." Quando se desencadeou este caso, preparava-se para montar uma empresa na net na área do imobiliário, "mas ficou tudo desactivado".

Entretanto, casou com uma luso-britânica, foi aos EUA, em viagem de núpcias, no final do ano passado, mas não passou incógnito: "Aqui sinto o desconforto de ver pessoas a apontarem para mim, mas lá também fui reconhecido".

Não é de estranhar. Os apelos para encontrar Madeleine McCann continuam e os pais mantêm a convicção de que a filha está viva. Por isso, criticaram a investigação conduzida pelas autoridades portuguesas, por deixarem cair a tese do rapto. Desde Marrocos aos Estados Unidos, passando por Espanha e Holanda, foram às centenas as informações encaminhadas para a PJ, dando conta de crianças alegadamente parecidas com Maddie. Correram notícias sobre os vários aparecimentos da menina e foi feita uma oferta de 2,5 milhões de euros a quem fornecesse informações.

De testemunha a arguido

Robert Murat acusa os media de terem "fabricado" notícias em busca de audiências. "Não queriam saber da verdade." "Tenho pessoas conhecidas na BBC que me disseram: "Cale-se, porque eles vão virar isto tudo"". O seu advogado, Francisco Pagarete, deu-lhe o mesmo conselho. "Essa foi a principal razão porque não falei até agora, mas foi muito difícil."

A sua vida e dos familiares - um irmão e uma irmã, que vivem em Inglaterra -, "foi vasculhada e recheada de mentiras". No Verão de há três anos, a Praia da Luz transformou-se numa batalha campal entre as principais cadeias de televisão do mundo, na luta pelas audiências. "Houve uma grande pressão dos media ingleses para obrigarem a polícia portuguesa a apresentar um rosto", diz Robert Murat, lamentando a sua sorte: "Quis ajudar, acabei por ser apontado como suspeito".

Este inglês, que fez a escola em Portugal, afirma: "Sempre gostei de ajudar as pessoas, é o meu feitio". Em Inglaterra, onde residiu durante 15 anos e trabalhou como vendedor de automóveis, também colaborou com as autoridades britânicas. "Fui tradutor da polícia e no tribunal."

Quando se deu o desaparecimento da criança na Praia da Luz, a 3 de Maio de 2007, tinha regressado dois dias antes ao Algarve para lançar a empresa Romigen. Participou nas buscas e foi, juntamente com a mãe, uma das pessoas que mobilizaram a comunidade local para encontrar a menina.

Passados 11 dias, entrou como testemunha nas instalações da Polícia Judiciária em Portimão, saiu como arguido. Sobre o interrogatório a que foi submetido, recorda: "Fazia-me lembrar um filme do KGB, senti que me estavam a tentar tramar". Porém, reconhece que a PJ "sofreu muita pressão para encontrar um culpado". Ele, cidadão inglês, que desempenhou, primeiro, o papel de tradutor junto da GNR, depois da própria PJ, "a seu pedido", foi aquele que melhor encaixou nas notícias que iam sendo divulgadas: "Fui o bode expiatório", enfatiza. Os media ingleses, evoca, "já vinham a dizer que iria haver desenvolvimentos antes de ser constituído arguido". Uma jornalista britânica disse que Robert Murat tinha comportamentos "estranhos" e denunciou-o à Judiciária.

Ele e mãe, uma enfermeira, de 73 anos, foram duas das pessoas que estiveram na primeira linha da campanha de solidariedade que se desencadeou à volta do casal McCann. Ao lado da GNR, ou de forma independente, muitas pessoas participaram em sucessivas buscas, nos arredores de Lagos, à procura de Maddie. Mas o esforço não foi reconhecido, acusa. "Há uma coisa que, de certa forma, me desagrada - às pessoas que andaram envolvidas nas buscas, ninguém disse obrigado". Quem acha que devia ter agradecido? "Isso não tem a ver comigo, mas acho que alguém devia ter dito obrigado."

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