Carlos Queiroz lança projecto para gerir a selecção nacional como um clube de topo
O regresso de Carlos Queiroz não se tem traduzido apenas no comando da selecção A que, em Junho, vai disputar o Mundial na África do Sul. Resultou também num documento bem menos mediático e em que o seleccionador propôs a Gilberto Madaíl que a selecção passe a ser olhada com a mesma perspectiva e preocupações de um clube de topo como, por exemplo, o Manchester United. O projecto chama-se Rumo ao Futuro e, explicou Carlos Queiroz, "visa criar as condições para ganhar e tornar as vitórias consistentes". No fundo, o que Queiroz quer é que não faltem talentos à selecção.
O projecto Rumo ao Futuro resultou das preocupações que o presidente da Federação revelou a Queiroz, aquando das negociações que levaram à saída deste do Manchester. Isto porque, durante cinco anos (de 2003 a 2008), Luiz Felipe Scolari tinha encarado o seu papel de seleccionador de uma forma estanque, concentrando-se apenas na direcção da equipa principal. De facto, o brasileiro não é o único responsável pela mudança de filosofia: depois de Queiroz ter saído, em 1994, as diversas selecções voltaram a funcionar como uma série de ilhas, em que os diversos responsáveis funcionavam sem interligação.
Escusando-se a comentar a herança, Queiroz confirma que ele e Madaíl concordaram num ponto essencial: "Era necessário olhar todas as selecções e todos os jogadores como o futuro da própria selecção". Para isso, acrescenta, importava "ordenar e dirigir todo o projecto de selecção e de detecção de talentos de uma forma integrada". No fundo, Queiroz está a retomar a filosofia-base que vigorou na Federação a partir de 1982.
Quando Portugal se sagrou bicampeão mundial de sub-20, no início da década de 90, a FIFA e a UEFA pediram a Queiroz para ele falar do conceito que a FPF tinha criado em colóquios que tiveram lugar em diversas cidades mundiais e que tiveram na assistência diversos seleccionadores. Queiroz recorda especialmente um certame em Paris, mas enumera vários outros na Europa, na Ásia, na América do Norte e em África. "De facto, Portugal foi um dos poucos países que nunca me convidaram para falar. Agora, se calhar, já é um bocadinho tarde...", ironiza.
A verdade é que o projecto que Carlos Queiroz elaborou na altura acabou por se virar contra ele próprio. Uma parte da classe dirigente não entendeu a bondade de algumas ideias propostas e o seleccionador acabou envolvido numa guerra surda em que era acusado de se meter em matérias que não lhe diziam respeito. Desta vez, percebe-se que o seleccionador aprendeu a lição: "Comparando o Carlos Queiroz de 92 com o de agora, tive de fazer algumas reflexões sobre o que deve ser hoje a formação dos jogadores, a sua preparação e a própria preparação dos treinadores".
Mas, afinal, sobre que versa o Rumo ao Futuro? Queiroz começa por relembrar o que, a propósito, tem dito aos treinadores: "O futebol é fundamentalmente um jogo de jogadores e para os jogadores. E, por isso, toda a filosofia que eu trouxe outra vez assenta nisto [e cita o documento]: "O jogador é o centro de todo o plano e dos programas que visam melhorar a qualidade do jogo e o rendimento"".
O Rumo ao Futuro estabelece duas prioridades, a primeira das quais é "inquestionável e inegociável": a selecção A. Logo a seguir surge a "identificação de um grupo de elite de jogadores", que se norteia por um princípio muito simples: com os mesmos ou, se possível, mais recursos, fazer tanto quanto possível para que os melhores jogadores joguem o maior número de vezes possível. Isto é: os jogadores deixam de pertencer ao treinador A, B ou C ou D e passam a ser identificados como pertencendo a um grupo de elite que a estrutura técnica acredita poderem vir a fazer parte um dia da selecção A.
A criação deste grupo de elite de talentos, que tem numerus clausus para as diversas selecções, foi a solução encontrada para garantir que não surjam falhas na "cadeia alimentar" que deve dar sustentáculo à selecção A, como se observou quando não havia pontas-de-lança e defesas-esquerdos de qualidade. Queiroz expôs a sua ideia assim: "Temos a selecção A, preparamo-la, levamo-la à competição, avaliamos o seu rendimento e tiramos as conclusões. Quando a base de sustentação, que são os clubes, não chega, o que é que fazemos? Nos clubes temos sempre a hipótese de ir ao mercado comprar o que nos falta, mas aqui não. Qual é a minha proposta? Identificação de um grupo de elite de talentos, um programa para a formação e preparação desse grupo, para depois entrarem no circuito da selecção A. O cerne da questão é a selecção e isto aqui é para alimentá-la através da formação."