Alfred Tennyson (1809-1892), poeta da língua inglesa, poeta laureado da época vitoriana, outrora o mais popular e disputado, surge agora traduzido, e bem, pela primeira vez em língua portuguesa. Tradução que em prefácio declara os seus princípios: "o mais literal possível (...).nunca seria capaz de deturpar (...) apenas para 'soar' bem". Mesmo assim soa, e a poeticidade é-lhe restituída. Fora dos círculos universitários, Tennyson é hoje pouco conhecido entre nós. Não foi sempre assim, a sua curiosidade oitocentista levou-o a vários pontos da Europa, e a ter visitado, no rastro de Byron - seu ídolo -, Sintra e Lisboa no Verão quente de 1859, e ao que parece cheio de moscas e mosquitos. Pormenor de uma carta à mulher: "I continue pretty well and I have not been bitten". Em Lisboa, hospeda-se no Bragança, e não passa despercebido. "Tout Lisbonne" o vem saudar: "yesterday seizing my hand and cryng out 'Who does not know England's Poet Laureate? I am the Duke of Saldanha'" ("Letters from Portugal").
Tennyson era o quarto filho de uma família de doze de um pai depressivo, pastor que nunca o quis ser. Daí, juntamente com dificuldades financeiras acrescidas aquando da morte daquele, teria talvez recebido um modo de ser melancólico e irritável, assim como uma excelente educação literária, técnica de versificação e vocabulário poético. Educação literária firmada com a frequência no Trinity College de Cambridge que abandonaria por dificuldades económicas. Aí conheceu A.H. Hallan, um imenso amigo que morreu precocemente (1833) e cuja perda lhe acentuaria a melancolia, o desalento e iria inspirar anos a fio "In memoriam" (1850), reunião de pensamentos e poemas elegíacos, glosas da experiência da morte: talvez a mais bela das suas obras.
De 1830 a 1850 foram os anos sombrios, paralisantes, as provações mergulharam-no no silêncio, na solidão, na Natureza marítima e enevoada que o abarca e cuja atmosfera ele devolve em plasticidade, cor e minúcia qual pré-rafaelita quase precursor do simbolismo.
1850 foi o seu "annus mirabilis". Pôde finalmente casar-se com Emily Sellwood. O sucesso de "In memoriam" faz dele, a convite do príncipe Alberto, "porta-voz da nação britânica" (mais tarde seria feito Lord), cargo que honraria até à morte em detrimento do "afirmativismo viril" dos poemas anteriores "para não chocar a mediocridade convicta de uma rainha Victória? que o admirava tanto" (Jorge De Sena, "A literatura Inglesa"). A seguir à sua morte foi de bom tom desmantelar-lhe a importância e acentuar a superficialidade do pensamento. Todavia, para além ou a par da ortodoxia vitoriana, do nacionalismo e garbo imperial, nos interstícios do revivalismo medievo e dos melodramas arturianos, tão ao gosto do século XIX, ele voltaria a ser consagrado como o grande poeta que sempre terá sido, o precursor dos maiores por vir: Yeats, Joyce, Eliot. Nenhuma honraria lhe resgatou aliás a sombra, o isolamento que cultivava em Freshwater, a sua morada na ilha de Wight, o seu lirismo suicida, "a vontade dividida", inquietação espiritual que se vivia desde sempre nele, e numa época que oscilava entre Deus e Darwin (de quem era amigo), e sustentava a dúvida. Tennyson: emblema austero do homem contemporâneo .
Se uma palavra fosse pedida para definir a sua poesia, ela seria "musicalidade". Manipulação exímia do verso, exploração plena da prosódia: literatura enquanto tal, ritmo da letra inebriante, arrebatador, a toada acelera-nos, possui-nos, a matéria sensível do mundo à tona, trazida pelas imagens e mestria de recursos retóricos. Estes servem um "pathos" que vai ganhado forma, às vezes interrompido por uma espécie de micropoema, atmosfera que vinga a meio da sequência narrativa partindo de um puro traço de paisagem esmiuçado. Recorrentemente, uma visão ou um sonho que regressa conduzem esse "pathos" que sobrevoa o passado. Poder-se-ia até dizer que aí, nesse intervalo, está a alma do sujeito lírico. Alguns exemplos do que vem sendo dito, um poema curto de 1851, a força do curto verso final, o clímax para que o poeta repentinamente conduz, por vezes a várias vozes, aqui abreviada a sua modernidade, "A Águia": "Ela aperta o penhasco com mãos retorcidas;/perto do sol em terras solitárias,/anelado com o mundo azul celeste, levanta-se. O mar enrugado debaixo dela rasteja;/ Olha do alto das suas muralhas da montanha, / e como um relâmpago cai."
Peguemos em "As duas Vozes"(1834): um sujeito dividido dialoga com o outro dentro de si - a obsessão de morte sempre subliminar e o renovo na Natureza: as duas vozes antitéticas, presentes em toda esta poesia, uma subsumindo a outra alternadamente, elas não se (re)unem, nenhuma se deixa abafar e é desse instabilidade que advém a necessidade poética - "Tal parecia ser o sussurro ao meu lado./'O que é que tu sabes doce, voz?', gritei./Uma esperança escondida', a voz explicou...(...) E pelos campos fora eu fui,/ e o movimento vivente da Natureza concedeu/ o pulsar da esperança ao descontente. (...)E tudo tão variadamente trabalhado/que eu admirei-me de como a mente foi levada/ a ancorar-se a um pensamento desalentado.// Pelo que eu preferi fazer a escolha/ de comungar com aquela voz árida/ em vez de com a que disse 'Rejubila! 'Rejubila!'"Tennyson anima a Natureza de um modo que surrealiza o real, sentimos com os olhos de um paisagista (ao acaso, um exemplo: "à noite, a minha chalupa, farfalhando através/ da baixa e florida folhagem, conduziu-me/ pelas flagrantes, cintilantes profundezas, e talhou/ as sombras de citrinos no azul"). Único senão: não se ter optado por uma edição bilingue.