A morte de Zapata e o erro de Lula

Nos EUA e na Europa, a morte do dissidente cubano suscitou protestos. Lula, de visita a Cuba, nada disse

Orlando Zapata Tamayo foi preso em Março de 2003. Com ele foram presos muitos outros cubanos, acusados de conspirar contra o regime, estava ainda Fidel Castro no comando. A esmagadora maioria sofreu condenações pesadas, até 28 anos. Zapata não. Julgado à parte do grupo dos 75, presos durante a chamada Primavera Negra, a sua pena foi bem menor: três anos, sob a acusação de desacatos e desobediência. Mas na prisão, como a ela não se confirmou, arranjaram forma de lhe ampliar a pena até quase 30 anos. Ontem, Zapata morreu. Tinha 42 anos e estava em greve de fome há 85 dias, usando o que lhe restava do corpo para protestar, já não contra o abuso de o manterem preso, mas contra as condições prisionais em Cuba. Mesmo assim, deixaram-no morrer. Antes dele só o poeta Pedro Luis Boitel morrera em idênticas circunstâncias. Mas isso foi em 1972, o que significa que, apesar de passados 38 anos, o regime de Cuba continua a não abrir mão das injustificáveis arbitrariedades a que sujeita os seus opositores. Há mais de 200 prisioneiros políticos nas cadeias e agora 30 dissidentes terão sido detidos em casa, sem mandado judicial, para evitar que fossem ao funeral de Zapata.

Nos Estados Unidos e na Europa, a morte de Zapata suscitou redobrados protestos. E Lula, que ontem chegou a Havana em visita oficial? A oposição cubana esperava dele, pelo menos, um gesto humanitário. Cinquenta dissidentes tenham-lhe, inclusive, endereçado uma carta esperançosa. Mas Lula, naquela que será a sua última visita a Cuba como Presidente, manteve até ontem o silêncio. Um erro, neste seu fim de curso. Porque Lula conheceu a repressão militar no Brasil e não há "velhos amigos" nem negócios que calem o arbítrio e a desumanidade. Ele sabe, mesmo que finja esquecer.

"Sonho" premonitório

A tragédia da Madeira continua no nosso dia-a-dia a interrogar-nos e a desafiar a nossa capacidade de entendimento. Leiam este texto: "De repente, tudo escureceu. Cordas de água desabaram sobre toda a paisagem que desaparecia rapidamente à nossa volta. O tempo passava e um ruído ensurdecedor, semelhante a uma trovoada, enchia todo o espaço". Mais adiante: "A ribeira de Santa Luzia, a ribeira de São João e a ribeira de João Gomes eram três grandes rios, monstruosamente caudalosos e arrasadores. De onde me encontrava via-os transformarem-se numa só torrente de lama, pedras e detritos de toda a ordem. A ribeira de Santa Luzia (...) galgou para um e outro lado em ondas alterosas vermelho-acastanhadas, arrasando todos os quarteirões..." Conclusão: "Toda a velha Baixa tinha desaparecido debaixo de um fervedouro de água e lama". Embora pareça, não é uma reportagem de hoje nem de ontem. É um artigo anterior. Mas precisamente de 11 de Dezembro de 1984. O Diário de Notícias do Funchal publicou-o no dia 13 de Janeiro de 1985. Chamava-se Eu tive um sonho e relatava um pesadelo. Escreveu-o Cecílio Gomes da Silva, engenheiro silvicultor, há 25 anos. Terminava assim: "Dei o alarme - pensem nele". Agora sabemos: ninguém pensou.

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