Corvos

A missão de Ben Foster e Woody Harrelson é trazer más notícias: visitar os pais, os maridos, as mulheres, os filhos, dos que se ficaram pelas areias do Iraque.

Estreia na realização de OrenMoverman, israelita radicado nosEUA, onde já fora co-argumentistade "I''m Not There", o puzzledylaniano de Todd Haynes.Elemento curricular que, de resto,em nada prenuncia, no estilo ou nostemas, o que "O Mensageiro" é. Maispróximos estaríamos, por exemplo,de algo como o "No Vale de Elah",Paul Haggis, pela forma como selida, em território americano, com aguerra do Iraque, e com osestilhaços que vão ferindo aretaguarda (ou, em terminologia deII Guerra, a "home front", porque éde como a guerra se transporta parauma frente interna que "OMensageiro" fala).

O mensageiro ou, com maispropriedade, os mensageiros. Sãodois, Ben Foster e Woody Harrelson.Dois soldados cuja missão é trazermás notícias - visitar os pais, osmaridos, as mulheres, os filhos, dosque se ficaram pelas areias do Iraquee comunicar-lhes o passamento dosseus familiares. Há um plano em queeles os dois são filmados de costas, acaminho, com militar determinação,do próximo anúncio, e as boinasnegras que lhes cobrem as nucasfazem deles duas grandes avesagoirentas, como se bastasse a suapresença para fazer a mensagemchegar aos infelizes destinatários. Efrequentemente basta. Mas há umprocedimento a cumprir, umalengalenga solene sobre "os pêsamesdo Secretário de Estado da Defesa"que é preciso dizer até ao fim, e queos familiares ouvem como umsuplício supérfluo, ladainha funestaque acelera, mais do que atenua, ochoque e o desgosto.

Dramaticamente, de resto, ascenas mais fortes de "OMensageiro" vivem muito desteritual, da contradição entre o desejode aproximação e solidariedade queas palavras querem simbolizar e oformalismo impessoal que oprocedimento impõe. Questão que écentral no filme - quando os doisprotagonistas mais violentamente sedesentendem o "procedimento" é,justamente, a causa da discussão - epor onde perpassa uma espécie decrítica "muda" ao relacionamentoentre o Estado e as famílias dos seushomens e mulheres "para queimar"(em terminologia fordiana, agora).

"Muda" porque, de facto, não hámuitas mais opções. Como "OEstado de Guerra", de KathrynBigelow, "O Mensageiro" nãodiscute a guerra do Iraque nemdeixa de discutir. É um facto, e ofacto é tudo. Mas o facto é,também, a questão da suavisibilidade - a guerra está longe, ofilme habita um puro contracampode um campo sempre elidido. Nãosó a guerra, mas também ossoldados mortos (como se sabe,houve fortes limitações à filmagemda chegada dos caixões vindos doIraque, e pelo menos num diálogoas personagens falam disso). Ahabilidade maior do filme está nomodo de evidenciar o"procedimento" ainda como umacontinuação do "não-ver", umaespécie de funeral rápido einvisível, um gesto de Pilatoscamuflado numa cerimónia deencenação da responsabilidade.

Fora este olhar sobre osprocedimentos e as formalidades,que é onde o filme vai buscar oessencial da sua dureza, "OMensageiro" funciona como umeficaz "buddy movie" traumático,entre dois soldados, um mais novo emais ferido (física epsicologicamente), outro mais velhoe bem coberto por uma couraça decinismo. Ben Foster e WoodyHarrelson são impecáveis. Harrelsoné mesmo um bocadinho mais do queimpecável. À histeria da juventude(foi um dos actores mais irritantesdos anos 90) sucedeu-se umagravidade "contentora", umaintensidade minimalista. Talvez sejado bigode que aqui usa, mas fazlembrar Robert Duvall. O que,obviamente, é um elogio.

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