A maior catástrofe em 100 anos na Madeira

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Para o presidente do Governo Regional, Alberto João Jardim, a prioridade é "tratar dos vivos" e "alojar quem perdeu a casa" Fotografia enviada pelo leitor Ricardo Perestrelo

Se o número de vítimas ultrapassar os 32 mortos já ontem confirmados [nota da redacção: entretanto já há 40 vítimas mortais a lamentar], será a maior tragédia ocorrida nos últimos 100 anos na Madeira. Em 1929, um só desabamento de terras em São Vicente, produzido por uma aluvião, provocou igual número de vítimas, mas sem atingir as proporções da presente catástrofe.

Com várias pessoas dadas por desaparecidas, centenas de desalojados, inúmeras casas e estradas destruídas por toda a ilha, o balanço poderá ainda ser mais trágico que o da tragédia de há 81 anos. Além dos mortos confirmados, o hospital do Funchal registou a entrada de 68 feridos, três dos quais tiveram de ser sujeitos a intervenções cirúrgicas.

De luto acordou ontem a Madeira, fustigada desde a madrugada por intensa chuva e forte vento. A dor e a desolação chegaram a muitas famílias a chorar pelas vítimas da intempérie, que assolou particularmente o Funchal e a Ribeira Brava, com as suas marginais transformadas em desoladores cenários de destruição.

As estradas obstruídas pelas derrocadas e as enormes dificuldades de telecomunicações isolaram populações e obrigaram os madeirenses a recolher-se em casa, temendo o pior. Eram nesse sentido os apelos, todo o dia transmitidos através da rádio, das autoridades que preventivamente queriam evitar situações mais dramáticas.

"Um turista vinha num táxi com a mulher e foi projectado para a minha casa. Digam à mulher que está vivo", avisava uma funchalense que, com "lama até ao primeiro andar da sua habitação", procurava tranquilizar a família do inesperado visitante.

A via rápida que liga o Funchal ao aeroporto e Ribeira Brava foi atingida por derrocadas que dificultaram o trânsito. Cerca de duas dezenas de voos foram cancelados. Na mais utilizada entrada da cidade, pela Rua da Pena, a estrada tornou-se um violento riacho de lamas e pedras que arrastou viaturas e seus ocupantes. "Não se aproxime. Ali está uma criança de dois anos morta, junto ao automóvel", alertava-nos um agente policial. Mais abaixo, pela corrente das águas repletas de detritos foi levada uma mulher que, sem vida, seria recolhida por bombeiros e moradores.

Até ao centro da cidade, o cenário não é menos caótico. A Avenida de Arriaga, entre a Sé Catedral e a Rotunda do Infante, ficou completamente inundada pela água que transbordou da ribeira, estrangulada junto ao edifício Funchal Centrum e ao embargado prédio das Minas Gerais. "Andaram a brincar com a ribeira, vejam em que deu", criticava o taxista António Freitas, apontando para os estragos que também atingiram a marina.

Prioridade: tratar dos vivos

No outro lado da cidade, junto do Mercado dos Lavradores, toda a zona ficou inundada pela ribeira de João Gomes. Uma ponte ruiu, provocando o pânico nos transeuntes e entre os clientes do centro comercial Anadia, que, como o Dolce Vita, teve de encerrar. Da janela da habitação, sem água nem luz, Margarida Vieira continua sem saber da família. "Estou muito preocupada porque só consigo saber o que se passa através da minha janela. O mar está todo castanho com a água que lá chega das ribeiras e dos lixos e as ondas estão altíssimas".

Mais isolado continuava o Curral das Freiras, bem no centro da ilha, com a sua população sem comunicações com o exterior desta cratera. Por isso, "não se consegue ter um ponto da situação", explica Arlindo Gomes, presidente do município de Câmara de Lobos, após infrutíferas tentativas de contacto.

Para o presidente do Governo Regional, Alberto João Jardim, a prioridade é "tratar dos vivos" e "alojar quem perdeu a casa", contando nesta tarefa com o Exército, que disponibilizou instalações militares do regimento de guarnição para acolher mais de uma centena de desalojados.

Após reunir o Governo de emergência, o presidente madeirense anunciou como medidas também urgentes limpar as estradas intransitáveis e recuperar as pontes, tendo pedido às Forças Armadas pontes concebidas pela Engenharia Militar para substituir temporariamente as que foram destruídas pela força da água.

Em conferência de imprensa para balanço da situação, Jardim revelou que o Governo, em articulação com as câmaras municipais, está a fazer o inventário dos estragos para solicitar apoios à União Europeia, na sequência de contactos ontem estabelecidos com o presidente da Comissão, Durão Barroso. Por seu lado o ministro da Administração Interna, Rui Pereira, revelou que irá pedir à União Europeia que seja declarado estado de calamidade pública.

Rui Pereira adiantou ainda que o Governo da República tem já uma equipa de socorro, com cerca de cem elementos, pronta para auxiliar a Madeira. Também o presidente do Governo açoriano, Carlos César, comunicou a Jardim a disponibilidade para enviar alguns elementos da Protecção Civil açoriana para apoiar a população madeirense.

O primeiro-ministro deslocou-se ao Funchal, com o ministro da Administração Interna. Após reunião com Jardim e visita a zonas afectadas, José Sócrates mostrou-se "desolado" e "consternado" com a tragédia e prometeu "recorrer a todos os meios necessários para ajudar a Madeira".

Também o Presidente da República, Cavaco Silva, sublinhou a solidariedade do continente e expressou as "mais sentidas condolências" para com as vítimas.

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