Timochenko acusada de "trair" a Revolução Laranja ao não aceitar a derrota

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Iulia Timochenko fotografada no dia das eleições ALEXANDER NEMENOV/afp

Em entrevista à CNN, o Presidente eleito garante que não será um fantoche de Moscovo e deseja boas relações com a União Europeia. A porta de uma adesão à NATO não ficou fechada

Enquanto vários governos saudavam a vitória de Viktor Ianukovich nas presidenciais ucranianas, a primeira-ministra, Iulia Timochenko, garantia que "nunca reconhecerá" os resultados da votação de domingo. E o seu partido prepara-se mesmo para os contestar em tribunal.

Em entrevista à CNN, Ianukovich exortava a rival a assumir a derrota. "Este país foi democrático durante cinco anos e estas eleições demonstram-no", afirmou. "Iulia Timochenko está a trair os princípios da Revolução Laranja".

A primeira-ministra foi categórica: "Nunca reconhecerei a legitimidade da vitória da Ianukovich em eleições como estas", terá declarado numa reunião com membros do seu partido, na segunda-feira à noite, segundo o jornal Ukrainska Pravda. Mas, aos ucranianos, Timochenko ainda não falou desde o anúncio da Comissão Eleitoral, que lhe atribuiu 45,5 por cento dos votos, contra os 48,9 por cento de Ianukovich.

As declarações não apaziguaram os ânimos de quem torcia para que a princesa da Revolução Laranja, que em 2004 agitou multidões a exigir democracia, aceitasse sem resistência o veredicto das presidenciais, consideradas pela Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) "transparentes e honestas".

Não é esta a análise do Bloco Iulia Timochenko. O deputado Andri Shkil disse aos jornalistas que houve fraudes em mil estações de voto.

"As eleições mostraram uma violação cínica da lei ucraniana pelas equipas de Ianukovich, pressão sobre os eleitores e um alargado arsenal de falsificação pelo Partido das Regiões", afirmou na televisão o "número dois" do grupo parlamentar, Sergui Sobolev. "Nos próximos dois dias, vamos preparar as queixas [a apresentar] aos tribunais administrativos."

Outra deputada do Bloco, Olena Choustik, precisava à Interfax: Timochenko vai tentar que os resultados sejam invalidados em certas estações de voto e "se houver um veredicto positivo dos tribunais, então contestaremos o resultado global da eleição". A ser assim, a primeira-ministra não exclui uma terceira volta.

Para que as presidenciais sejam consideradas inválidas, terá de haver provas de irregularidades em 1500 das 30 mil estações de voto, explica à AFP Olexandre Tchernenko, de uma ONG ucraniana dedicada à transparência eleitoral.

"Um meio de pressão"

Nem todos os membros do partido concordam com Timochenko, referia o Ukrainska Pravda. Alguns pediram para que ela reconheça a derrota, se demita do cargo de primeira-ministra e comece a liderar a oposição.

"A tentativa de invalidar o resultado do voto é um meio de pressão sobre o campo do adversário. Timochenko tenta ganhar tempo para futuras manobras políticas", comentou por seu lado à agência francesa o politólogo Stanislav Belkovski.

Esta será, de certa forma, uma "vingança" de Ianukovich, cuja vitória em 2004 foi considerada fraudulenta e fez espoletar a Revolução Laranja, liderada por Timochenko e pelo actual Presidente, Viktor Iuschenko (que entretanto se tornaram rivais).

Ontem, multiplicaram-se as reacções aos resultados. A embaixada norte-americana em Kiev afirmou que esta é uma etapa "na consolidação da democracia ucraniana". O Presidente russo, Dimitri Medvedev, telefonou a Ianukovich - considerado o candidato mais pró-Rússia - para o felicitar "pelo sucesso" das presidenciais e pela forma como decorreu a campanha.

Para quem receia uma viragem de alinhamento em direcção a Moscovo, Ianukovich assegurou à estação norte-americana não ser uma marioneta do Kremlin, e garantiu que a sua política "será baseada no interesse mútuo e nas boas relações tanto com a Rússia como com a União Europeia".

E se tem sido um opositor à adesão da Ucrânia à Aliança Atlântica, afiançou que Kiev "vai continuar a cooperar com a NATO, mas a adesão tem de ser uma decisão do povo ucraniano em referendo".

Vários observadores mencionaram a possibilidade de uma "grande coligação" entre os dois rivais. Mas Ianukovich tem dito que Timochenko não será primeira-ministra de uma presidência sua. A AFP explicava que, para isso, Ianukovich terá de formar maioria no Parlamento, precisando de elementos do campo laranja. Também pode dissolver a Assembleia e convocar eleições antecipadas, um cenário mal visto, dada a crise política e económica do país.

A situação económica está no topo das prioridades do novo Presidente, que diz ter sido eleito para a resolver. Pretende mesmo colocar a Ucrânia na lista das 20 economias mundiais durante a próxima década.

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