O tecno que vem da neve

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Uma música tecnológica, mais meditativa que física, absorvendo a realidade a partir dos Alpes suíços. Pantha Du Prince, um álbum transparente chamado "Black Noise".

Há diferentes elementos, fios de guitarras, ambientes sintéticos, sons concretos da natureza e ritmos electrónicos minimalistas que estabelecem uma relação complexa entre si. Há texturas, silêncios, frequências inaudíveis que se tornam perceptíveis, "Black Noise".

"Gravei algum material no exterior, perto do estúdio no Alpes suíços, e utilizei-o como fonte, como um organismo líquido que cresceu por si próprio. A montanha envolvente acabou por funcionar como um lugar recheado de histórias à espera de serem contadas com a ajuda das gravações de campo feitas."

Quem visse a capa do álbum "Black Noise" ou ouvisse falar assim do alemão Hendrik Weber, mais conhecido por Pantha Du Prince, poderia ser levado a pensar que estaria perante um cantor e compositor de longas barbas, praticante de folk moderna, capaz de cantar os méritos de habitar junto a um lago, rodeado de montanhas, em isolamento, com o amor da sua vida. Nada mais errado. Ao terceiro álbum está longe de ser um ilustre desconhecido, mas dir-se-ia que para o músico e DJ alemão chegou o momento da verdade. O mesmo é dizer que este é o seu registo mais ambicioso, aquele onde leva mais longe as premissas desenvolvidas em "Diamond Daze" (2004) e "The Bliss" (2007), discos habitados por melodias discretas e redes rítmicas minimalistas electrónicas, um tecno líquido e preguiçoso, capaz de afirmar com clareza uma noção de espaço.  

Como o sueco The Field, o chileno Matias Aguayo ou o americano Matthew Dear, a música de Pantha Du Prince está longe de sofrer influência apenas da música de dança electrónica. Aliás, no seu caso, os quadros que propõe são mais contemplativos, apesar das variações rítmicas, do que indutores de apelo físico.

Nesse sentido, o interesse da editora Rough Trade - conotada com as linguagens mais alternativas do rock - não é surpreendente. "É uma editora com uma grande história" diz-nos, "com enorme influência sobre mim, de Robert Wyatt a Arthur Russell, passando pelos This Heat, mostrando sempre um enorme desejo de abrir horizontes. Estão interessados em mudar de perspectiva sobre o que estão a fazer e isso também me interessa."

Trabalhar no contexto de uma diferente permitiu-lhe também operar de forma diversa, concentrando-se de forma mais evidente na feitura do álbum do que no passado. "Gravei 'The Bliss' sempre de um lado para o outro, em trânsito. Neste disco escolhi trabalhar apenas nos Alpes suíços e em Berlim, foquei-me muito mais, sabia o que pretendia e isso também me permitiu abrir de maneira mais generosa à surpresa, ao imprevisto."

O silêncio

Quando lhe perguntamos qual a maior influência no novo disco responde que "os longos passeios pela neve" foram importantes. Bem como tentar novas técnicas de gravação e rodear-se de pessoas que admira. Entre elas, Panda Bear, dos Animal Collective, que canta em "Stick to my side". "Foi um prazer trabalhar com ele, até porque utiliza a voz como mais um instrumento, inscrita nas melodias e efeitos."

O americano Tyler Pope, baixista nos !!! ou nos LCD Soundsystem, também dá uma ajuda em "The splendour", mas foram os músicos e compatriotas Joachim Schutz (Arnold Dreyblatt Trio) e Stephan Abry (Workshop) que acabaram por estar mais presentes na criação de um disco que explora a relação entre tecnologia e natureza, vista como simulacro, conduzindo-nos à interrogação sobre o que é autêntico e artificial. Ideias há muito exploradas, seja por pioneiros das electrónicas, seja por contemporâneos como o inglês Matthew Herbert ou os americanos Matmos, capazes de produzir alguma das mais inventiva música electrónica a partir das mais diversas e quotidianas fontes sonoras.

No caso de Pantha Du Prince, a materialidade de alguns sons da natureza são transformados numa expansiva arquitectura onde o electrónico e o acústico se dissolvem, acabando por formar um corpo homogéneo.

É como se nos convidasse a ouvir, de forma renovada, aquilo que entendemos como natureza. "Agrada-me essa ideia de que a música é capaz de falar por si própria sem recurso à linguagem. A nossa capacidade auditiva está pouco desenvolvida em comparação com a de muitos animais, por exemplo. Não é por acaso que os animais conseguem decifrar os momentos exactos que antecedem as grandes tragédias naturais. De alguma forma é como se nós fôssemos adormecendo essas capacidades, deixando de ouvir muitos sons essenciais."

"O silêncio", continua, "temos que voltar a dar importância ao silêncio, ouvindo o que ele tem para nos dizer". Pelo meio há tempo, muito espaço, elementos electrónicos que se repetem continuamente, numa panorâmica futurista que é, afinal, arcaica. As sequencias rítmicas, as linhas sintéticas e as melodias transparentes interagem, regulando o som em camadas, enquanto Pantha Du Prince absorve a paisagem, percebendo-a, escutando-a.

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