Com código de conduta, os taliban são ainda mais perigosos

Os radicais "estudantes de teologia", que prendiam homens por não usarem barba comprida e organizavam apedrejamentos no estádio de Cabul, "estão a tentar ganhar a aprovação das pessoas", confirmou ao diário The New York Times Wahid Mujda, ex-responsável taliban que hoje segue a insurreição na Internet.

Também os Estados Unidos e a NATO adoptaram tácticas para diminuir o número de vítimas civis, com menos raides aéreos, e concentrando os soldados perto dos centros populacionais para que os afegãos se sintam protegidos, mesmo que isso aumente os riscos para os militares. O objectivo da liderança taliban não é ganhar a guerra, é cansar os países com tropas no Afeganistão e, aos poucos, preparar o regresso ao poder, de onde foram expulsos em Dezembro de 2001.

Para isso, o movimento abraçou a Internet, tecnologia que começou por denunciar como anti-islâmica. Os taliban dizem que são independentes da Al-Qaeda, mas novas informações sobre a campanha de relações públicas que lançaram mostram que aprenderam muito com o grupo de Osama bin Laden, que há anos recorre à Internet para justificar os seus actos, recrutar e preparar as novas fases de luta.

Hoje, os taliban conseguem determinar a narrativa de muitos ataques, mesmo antes de a NATO conseguir divulgar um único comunicado. Exageram os seus feitos, mas como também fornecem pormenores de indiscutível veracidade, acabam por ser citados. Online, dão a sua visão do Afeganistão: um país onde "os pashtun sofrem em todo o lado" (os pashtun são o maior grupo étnico e concentram-se no Sul, onde a guerra nunca teve tréguas e, por isso, chegou menos ajuda), "são os únicos nas prisões" e os "únicos a terem as casas bombardeadas" pelos estrangeiros. E são historicamente quem decide quem manda - Hamid Karzai é um pashtun que sabe falar aos ocidentais.

As ordens do mullah Omar, que se julga estar em Quetta, no Paquistão, são claras e estão explicadas num documento que divulgou entre as hostes em Maio de 2009 e que a NATO autenticou no Verão. Agora, o New York Times conseguiu uma cópia: em 69 pontos, o mullah de um só olho explica aos seus homens como tratar as populações, o que fazer com equipamento capturado ao inimigo e em que condições devem os presos ser executados. O documento, descreve o diário, "exorta os insurrectos a viverem e trabalharem em harmonia com o povo". E num eco das Convenções de Genebra, que determinam o tratamento dos presos de guerra, estabelece que "quem é condenado à morte deve ser morto com uma arma e fotografar essa execução é proibido".

Uma coisa é difundir um código de conduta, outra é fazê-lo cumprir - mesmo num exército regular, quanto mais num movimento disperso e formado por 30 mil combatentes comprometidos com uma causa e umas centenas de milhares dispostos a lutar se forem pagos. Para já, as ordens de Omar mudaram a atitude de alguns comandantes intermédios. "Há uma mudança tremenda no comportamento deles. Já não decapitam as pessoas nem prendem os suspeitos de espionagem sem uma investigação. Às vezes ainda cometem erros, as pessoas ainda têm medo deles, mas geralmente lidam bem com as pessoas", explicou ao Times Haji-Khan Khan, líder tribal da região de Kandahar.

Omar já afastou até comandantes mais brutais e também aqui se vê a experiência da Al-Qaeda. Abu al-Zarqawi foi talvez o mais brutal membro do grupo de que há memória (e imagens, incluindo dele a decapitar pessoas) e Bin Laden já estava a perder a paciência com o jordano quando os EUA o mataram no Iraque. Para os objectivos da Al-Qaeda na Mesopotâmia era tarde: as tribos sunitas que começaram por se aliar aos rebeldes estrangeiros já tinham batido à porta dos norte-americanos, disponibilizando-se para expulsar os radicais das suas terras. Sofia Lorena

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