Alguns taliban querem negociar mas isso não vai chegar para a paz

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Os afegãos vivem há 30 anos em guerra, a última já dura há oito anos Damir Sagolj/Reuters

A maioria dos afegãos nunca viveu um ano sem guerra. É natural que "o sofrimento da população atinja níveis insuportáveis", como alerta o Comité Internacional da Cruz Vermelha. Hoje, há uma nova conferência internacional para discutir o futuro do país.

Mais de oito anos depois do derrube dos taliban, acredita-se agora que esse futuro passa por uma "reconciliação", que implica uma paz negociada com os "estudantes de teologia", e por uma "afeganização" das responsabilidades e poderes para os afegãos.

Em pano de fundo estará a questão do tempo. Quando por fim apresentou a sua estratégia para o Afeganistão, a?"sua guerra", o Presidente Barack Obama falou de surge, de um reforço de tropas acompanhado por um esforço de negociação com os rebeldes, como no Iraque. Mas o que apresentou não deixa de ser uma "estratégia de saída", a começar em 2011. Falta saber se o tempo que os Estados Unidos e o resto do mundo têm para dar chega.

Na conferência de Londres vai falar-se de um plano para cinco anos. E também de surge civil, uma vez que políticos e generais concluíram que o conflito não se vai ganhar em combate: são precisos líderes civis que concretizem objectivos de reconstrução e de criação de emprego.

É por isso que a NATO vai ter um representante civil, a par do comandante da ISAF (Força de Segurança e Assistência). Será Mark Sedwill, o actual embaixador britânico, e vai dirigir todas as operações não militares, incluindo a gestão da ajuda humanitária. A ONU anunciou ontem o nome do seu enviado especial, que irá substituir Kai Eide e que deverá ter um papel proeminente. Os dois vão trabalhar de perto com um novo enviado da União Europeia, Governo e embaixadores dos estados mais importantes no país para ajudar a geri-lo.

Serão mais de 55 as nações representadas hoje na sumptuosa Lancaster House, que recebe o encontro. Lá estará o fragilizado Presidente Hamid Karzai, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, o chefe da NATO, Anders Fogh Rasmussen, a secretária de Estado Hillary Clinton e muitos ministros dos Negócios Estrangeiros.

Sabe-se que a Índia e o Paquistão lá terão os chefes da diplomacia - mas que estes, que cada vez suspeitam mais do papel um do outro no Afeganistão, não vão ter um encontro bilateral - e que o Irão vai faltar. Um dos objectivos é convencer os países da região a ajudar mais e nos últimos dias já houve reuniões em Istambul para o conseguir.

Ex-próximo de Omar

Mas falar com os taliban é a ideia na mente de todos. Karzai vai dizer como pretende usar um fundo criado para incentivos a oferecer aos rebeldes dispostos a baixar as armas. A paz será comprada, se houver interessados. A grande dúvida é se algum taliban com autoridade para fazer a diferença estará disponível para negociar.

Ontem soube-se que a ONU retirou da lista de suspeitos de terrorismo os nomes de cinco ex-líderes taliban - este terá sido um obstáculo nas anteriores tentativas para negociar. "Dou as boas vindas, mas há ainda muitos nomes que deveriam sair", disse Ahmad Muttawakil, ex-ministro e homem de confiança do líder mullah Mohammed Omar, que há três anos renunciou aos taliban. A lista inclui 144 taliban e 257 alegados membros da Al-Qaeda. Entre os nomes retirados, um já é hoje deputado, outro governador.

Para mostrarem que o plano para os "reintegrar na sociedade afegã" não tem futuro, os taliban lançaram há dez dias um raide sobre Cabul, atacando ministérios e hotéis. Moh Hashim Mayar, subdirector da ACBAR (uma rede de organizações não governamentais afegãs), defende que oferecer dinheiro e tirar nomes de listas não vai adiantar nada: "Os líderes taliban não estão prontos para conversar porque não aceitam a Constituição do Afeganistão e querem que as tropas estrangeiras saiam antes de quaisquer negociações", disse ao PÚBLICO.

O que os americanos e Karzai defendem é chamar "os líderes moderados" e os soldados rasos que só combatem porque são pagos. Mayar não sabe quem são "os moderados" e acredita que os segundos poderão facilmente voltar a mudar de lado. Por tudo isso, não vê nesta estratégia um caminho para "uma paz sustentável". Lembra ainda que "a fonte do terrorismo" está fora do Afeganistão e com isso quer dizer que o mullah Omar e os seus aliados operam a partir do Paquistão.

Mayar fala também da corrupção e da falta de treino e meios das forças afegãs. Solucionar isso é necessário para que os afegãos tenham um futuro diferente. Mais importante ainda, "se considerarmos a segurança num sentido alargado", esse futuro implica "serviços para as pessoas, especialmente na educação, saúde, infra-estruturas, mais empregos, opções rentáveis para convencer os agricultores a deixar de produzir ópio". Tudo o que não foi feito nos últimos oito anos.

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