Torne-se perito

MP acredita que Godinho pagou 25 mil euros a Vara em Junho

Entrega do dinheiro terá ocorrido num almoço em casa do empresário das sucatas, em Ovar. Lopes Barreira terá recebido o mesmo valor

O Ministério Público (MP) de Aveiro acredita que Manuel José Godinho, o único preso preventivo no âmbito do processo Face Oculta, pagou 25 mil euros a Armando Vara, vice-presidente do BCP com o mandato suspenso, a 20 de Junho do ano passado, num almoço em casa do empresário das sucatas no Furadouro, em Ovar. A convicção baseia-se no cruzamento de duas escutas telefónicas, uma entre Godinho e Vara a 28 de Maio e a outra a 20 de Junho, o próprio dia do almoço, entre o empresário e a sua secretária Maribel Rodrigues, referidos em documentos judiciais.

Na primeira intercepção, Godinho fala com Vara numa linguagem cifrada, perguntando ao gestor do BCP se quer para agora "os 25 quilómetros". Inicialmente, Armando Vara não percebe a que se refere Godinho, mas acaba por compreender e dizer que fica para mais tarde.

Segundo o MP, o empresário de Esmoriz usou um telefone que utilizava apenas para falar com Armando Vara, tendo sido usado mais tarde para conversar com o administrador da EDP - Imobiliária e Participações, SA, Domingos Paiva Nunes, apresentado ao empresário por Vara. É, aliás, por este novo contacto, que permitiu a Godinho concretizar alguns negócios onde alegadamente terá sido favorecido, que o empresário das sucatas terá pago a Vara os 25 mil euros.

Após esta conversa, o primeiro encontro pessoal entre Godinho e Vara foi a 20 de Junho, no Furadouro, em casa do empresário, já após este último se ter reunido várias vezes com Paiva Nunes e ter tido acesso a informação privilegiada sobre alguns concursos da EDP - Imobiliária e Participações, SA. A 4 de Junho, Godinho e Paiva Nunes encontram-se na mesma casa e o empresário entrega ao administrador um Mercedes SL 500.

A 20 de Junho Manuel José Godinho ligou a Maribel Rodrigues, dando-lhe conta que necessitava de "50 documentos" para dividir por duas pessoas. O MP acredita que os "25 quilómetros" e os "50 documentos" se referem a dinheiro, no primeiro caso, 25 mil euros, no segundo 50 mil, que seriam divididos por duas pessoas. Nesse almoço também esteve Fernando Lopes Barreira, amigo de Vara e, como este, membro fundador da polémica Fundação para a Prevenção e Segurança Rodoviária, que na tese do MP terá recebido os outros 25 mil euros.

O juiz de instrução de Aveiro, António Gomes, já foi confrontado com estes factos, tendo considerado crível que Vara e Lopes Barreira tenham recebido 25 mil euros cada um. Isto porque nesse dia e depois de sair da SCI, uma das suas empresas e local de trabalho de Maribel Rodrigues, Godinho só se encontrou com Vara e Lopes Barreira. Do almoço há várias fotografias, pois foi vigiado pela Polícia Judiciária.

Ontem o PÚBLICO contactou um dos advogados de Armando Vara, Tiago Bastos, que não quis falar das alegações, mas sublinhou que é por razões como esta que o gestor pediu o levantamento do segredo de justiça. "Só assim poderemos falar à vontade sobre tudo isto", referiu.

O PÚBLICO sabe, contudo, que a justificação de Vara relativamente à conversa de 28 de Maio não convenceu o juiz de instrução. O gestor alegou que a referência aos "25 quilómetros" estaria relacionada com um depósito de 250 mil euros que Godinho iria fazer no BCP. Este seria uma condição essencial para a aprovação de um contrato de factoring (transferência dos créditos das empresas de Godinho para o BCP, que adiantaria esses valores ao empresário em troca de uma comissão) em estudo pelo banco. Segundo a defesa, "quilómetro" é um termo de calão utilizado na banca para se referir a dez mil euros; neste caso seriam 25 a multiplicar por 10 mil, o que daria os 250 mil euros. Salientou que no almoço esteve presente o filho menor de Vara, sendo pouco credível que o gestor se deixasse corromper à frente do filho.

O juiz de instrução considerou que os argumentos não afastavam a suspeita, pois o estudo do contrato de factoring estava a ser acompanhado por um director de crédito, sendo estranho que Godinho falasse com Vara sobre isso.

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