Mortes até 30 dias após acidente começam a ser contabilizadas a partir de sexta

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Maioria dos países europeus já divulga feridos graves que morrem nos 30 dias a seguir ao acidente Manuel Roberto

As pessoas que morrem nos hospitais até 30 dias após sofrerem um acidente de viação vão passar a ser contabilizadas como mortos nas estradas a partir de sexta-feira. Um especialista diz que os hospitais não estão preparados para passar a fornecer estes dados.

O presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) disse à agência Lusa que o novo método de contabilização dos mortos nos hospitais 30 dias após o acidente vai permitir ter “o número real e efectivo da sinistralidade rodoviária”.

“Este sistema [contabilização a 30 dias] é adoptado internacionalmente e para comparar Portugal com outros países é esse que vamos utilizar”, disse Paulo Marque, admitindo que Portugal está atrasado relativamente aos outros países.

“A maioria dos países já conseguiu implementar um conjunto de sistemas que lhes permite ter uma certeza do número real de mortos. Portugal veio um bocadinho atrasado”, sublinhou.

Paulo Marques explicou que o novo método de contagem envolve unidades hospitalares, Ministério Público, forças de segurança e ANSR.

O responsável explicou que em situações de morte resultante de acidentes de viação, as unidades hospitalares comunicam o óbito ao Ministério Público, que, no âmbito da investigação, delega ou informa as forças de segurança. Por sua vez, as forças de segurança fazem o cruzamento com o boletim estatístico de acidente de viação e com a ANSR, que altera os dados de feridos graves para mortos.

A actual contabilização, que só considera vítima mortal quem morre no local do acidente ou durante o percurso para o hospital, vai continuar.

Segundo o presidente da ANSR, o actual modelo vai permitir, ao longo do ano, a monitorização da evolução da sinistralidade.

Actualmente, os dados sobre as vítimas mortais são divulgados semanalmente. Com o novo método haverá um atraso de seis meses. “A ANSR só vai publicar os mortos a 30 dias ao fim de seis meses. Há sempre um atraso relativamente ao acontecimento real”, disse, acrescentando que tal também acontece em outros países.

“Até hoje tem havido uma estimativa. São seguidos um número bastante significativo de casos e são observados aqueles que vêm a falecer no período de 30 dias. É com base nessa estimativa que se aferiu o valor de mais de 14 por cento do que o número de vítimas mortais contabilizado actualmente em Portugal”, explicou.

O presidente da ANSR diz ter esperança de que o valor que vai passar a ser contabilizado correctamente “não seja muito diferente daquele que era estimado”.

Para este novo sistema foi criado um grupo de trabalho que reuniu durante este ano e teve como objectivo estudar e encontrar uma solução para a contabilização real do número de mortos a 30 dias.

Coordenado pela ANSR, o grupo de trabalho foi constituído por Direcção-Geral da Saúde, GNR, PSP, INEM, Administração Central do Sistema de Saúde, Ministério Público, Instituto Nacional de Medicina Legal e Instituto Nacional de Estatística.

A nova contabilização dos mortos em acidentes rodoviários é uma das acções previstas na Estratégia de Segurança Rodoviária 2008-2015, iniciativa que engloba um conjunto de medidas que têm como objectivo colocar Portugal nos dez primeiros países da União Europeia com menor taxa de sinistralidade rodoviária.

A maioria dos países europeus já divulga a taxa de mortalidade nas estradas tendo em conta os feridos graves que morrem no período entre o momento do acidente e os 30 dias subsequentes.

Hospitais “não estão minimamente” preparados"

O especialista em trauma Nelson Olim defendeu hoje que uma contabilização “séria” dos mortos em acidentes de viação só é possível com um registo nacional do trauma e considerou que os hospitais “não estão minimamente” preparados.

Em declarações à agência Lusa, o cirurgião Nelson Olim, da Sociedade Portuguesa do Trauma, disse que “a medida é boa” e era há muito reivindicada. Mas considerou que “neste momento não existam as ferramentas necessárias para pôr isto a funcionar”, salientando que “a ferramenta seria criar um registo nacional do trauma”.

Para o especialista, a contabilização dos mortos vítimas de acidentes rodoviários tem que ser feita de forma “séria” e sem a existência de um registo nacional do trauma é “impossível dar esses números”.

Nelson Olim referiu que a contabilidade até 30 dias “é a mais correcta e a internacionalmente mais aceite”. No entanto, “os hospitais não estão minimamente preparados para dar este número” e a mortalidade a 30 dias, para ser calculada, “obriga a que haja um registo nacional do trauma”, base de dados que regista todos os passos dos doentes traumatizados que entram num hospital.

Além de comparar a mortalidade na sinistralidade, este tipo de registo vai permitir tirar conclusões sobre os parâmetros de qualidade e de assistência nos hospitais.

Também defensor de um plano nacional do trauma, o presidente da Associação de Cidadãos Auto-Mobilizados (ACA-M), Manuel João Ramos, manifestou dúvidas relativamente ao novo sistema de contabilização.

“Durante os próximos anos, não vamos ter os números reais dos mortos em acidentes rodoviários, vamos ter apenas uma ilusão do número real, o que é grave”, disse à Lusa.

O presidente da ACA-M adiantou que o novo sistema tem “muitas fugas, indefinição e não permite uma aferição de quantos são os mortos rodoviários a 30 dias”.

“Não basta uma ordem do Governo, tem que haver um acordo entre a classe médica que defina o que vai acontecer”, afirmou, frisando que o novo método “não foi discutido”.

Manuel João Ramos defendeu que têm que ser “dadas instruções claras aos hospitais para que não existam erros no sistema”.

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