É num lenço às riscas em tons terra que embrulha o seu violino Capela de 1993. Tira o instrumento da caixa com todo o cuidado. Bruno Monteiro, considerado um dos melhores violinistas portugueses da actualidade, é minucioso com a música que toca e exigente no que faz. Acaba de lançar o quarto disco, "Solo", um desejo tornado realidade. Inclui uma das mais complexas obras de Bach para violino, "Ciaccona", que o obrigou a uma certa ginástica. Foram necessárias cinco estantes e uma caminhada de quase 14 minutos. "Era como um lençol na sala onde gravei; tocar de cor era bastante complicado", conta. A partita n.º 2 em dó menor de Bach nunca tinha sido registada em Portugal. Nem a sonata n.º 2 Op. 27 n.º 2 Obsession do compositor belga Eugène Ysaÿe. Duas peças do russo Sergei Prokofieff e do vienense Fritz Kreisler completam o disco. "Nunca tinha feito um recital a solo, o que, para violino, é uma coisa quase inexistente". Gosta de surpreender e quanto mais difícil, melhor. "Um violino a tocar sozinho é raríssimo de se ver".
Coleccionador de desafios difíceis, o ano de 2009 correu-lhe de feição. Em Novembro, e após uma conversa de duas horas ao telefone, assinou com a norte-americana Centaur Records, a mais antiga editora independente dos EUA - que representa nomes como a cantora lírica Martina Arroyo, o violinista norte-americano James Busswel, a Filarmónica de Londres e a Cincinnati Symphony. O contrato, de 60 folhas, dita que o violinista de 32 anos, de Santa Maria da Feira, fique ligado à editora durante cinco anos e grave um a dois trabalhos por cada 12 meses. Uma oportunidade para vender em todo mundo, Amazon incluída. "É mais um passo".
Bruno Monteiro não perdeu tempo e o primeiro álbum já está gravado com obras de Mendelsshon, Janack, Elgar e Ravel nunca antes registadas pela Centaur. Não há propriamente um fio condutor, musicalmente falando, neste álbum que será lançado em Outubro de 2010. "Como é o primeiro disco, deixaram-me escolher as obras", revela. Já está a ser ponderado um ciclo de concertos pelos EUA.
Sem rede
"Solo" é o disco em que se aventura sozinho, sem rede. Gosta de gravar obras complexas, músicas que mais ninguém registou. Estudou sete anos nos EUA, voltou em Dezembro de 2004 e não se arrepende de ter feito as malas para "elevar a música em Portugal". É aqui que quer estar e quer chegar o mais longe que puder. "O mais importante é continuar a crescer como músico, ser o mais exigente possível comigo, tentar sempre tocar melhor do que a última vez e fazer com que aqueles que apostaram em mim, e que não são poucos, reconheçam que tem valido a pena", confessa. A estreia no meio discográfico aconteceu em 2007 com "Debut", com João Paulo Santos ao piano.
O seu violino sai da caixa todos os dias por três a quatro horas. Lê e pesquisa permanentemente sobre música, biografias de maestros, repertórios. Começou por aprender piano aos seis anos com uma professora alemã, amiga da família. Foi numa loja de música que tudo mudou, por causa de dois concertos de Tchaikovsky e Mendelssohn. Aos 11 anos, quis aprender violino. Aos 13 ganhou o primeiro prémio da Juventude Musical Portuguesa. "Foi um momento determinante. Tocava há ano e meio e estava a competir com pessoas que tocavam há muito mais tempo". Destacou-se e um ano depois estreou-se como solista no Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa. "A música estava tão dentro da minha cabeça que aprendi rapidamente".
Estudou na classe do professor Carlos Fontes e tirou 20 valores. Aos 18, estava nos EUA. Fez o curso de Música na Manhattan School of Music de Nova Iorque com as mais altas classificações. Concluiu o mestrado em Música no Chicago College of the Performing Arts com 20 valores. Tocou como solista no Carnegie Hall e esteve em primeiro plano com a Sinfónica Portuguesa e a English Chamber Orchestra, entre outras. Já tocou nas principais salas de concerto portuguesas e actuou em várias países, Malásia, Coreia do Sul e Filipinas incluídos.
"Solo" já foi apresentado em Lisboa. De 28 a 31 de Janeiro, Bruno percorre as Fnac de Guimarães, Porto e Vila Nova de Gaia. A 17 de Janeiro, toca Robert Schumann, a propósito do bicentenário do nascimento do compositor, na Biblioteca de Santa Maria da Feira, e um mês depois, a 17 de Fevereiro, apresenta o mesmo programa no Centro Cultural de Belém. Foi precisamente aqui que nasceu a ideia do registo a solo. Miguel Leal Coelho convidou-o a participar nos Dias da Música em Abril de 2009, dedicados à herança de Bach. José Fortes - "o melhor técnico de som português, um dos meus melhores amigos e meu conselheiro musical", diz Bruno - sugeriu-lhe que gravasse esse programa. "São raros os discos de violino solo e seria uma maneira de variar um bocadinho o repertório". Bruno voltou ?? sala de Caxias, em Oeiras, onde gravou os três primeiros álbuns e que, desde então, mantém em segredo. Dia e meio de gravações, 16 horas a tocar, cinco estantes com as pautas da obra de Bach espalhadas pela sala. No final, um cansaço extremo na mão direita que o obrigou a parar durante três semanas.