Sócrates alimenta tensão e avisa que Cavaco Silva não está acima da crítica

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José Sócrates tornou Cavaco Silva o ausente mais presente Pedro Cunha

Primeiro foi Paulo Portas a puxar pelo assunto, ao perguntar se o primeiro-ministro estava "à procura de um pretexto para não governar, para precipitar uma crise política". Em fundo, estavam as relações com o Chefe do Estado. Sócrates só respondeu directamente à segunda, já o debate no Parlamento ia a meio, quando Francisco Louçã, do Bloco de Esquerda, o incitou a uma clarificação: "Quero, aqui e agora, acabar de vez a tragicomédia das eleições antecipadas num clima de intriga e crispação." Tudo por causa do mais recente episódio das críticas do PS ao Presidente por estar a intrometer-se na agenda do Governo, ao secundarizar a proposta dos casamentos gay, face aos problemas económicos e sociais do país. Louçã quis ouvir o que pensava Sócrates e ouviu. Não só não desautorizou Sérgio Sousa Pinto como aqueceu a temperatura.

"Em relação ao Presidente da República: no meu entendimento ninguém está acima da crítica. Já tenho discordado do Presidente e não levou a nenhuma dramatização." Mais ainda. "Confundir o debate político com conflito institucional ou desrespeito é um pobre entendimento da nossa democracia." O primeiro-ministro até ironizou com o líder bloquista dando-lhe um papel onde não se reverá: "O que não sabia é que estava tão zeloso para ser porta-voz do Presidente na Assembleia da República. Há algumas semanas teria sido mais útil quando o Presidente não tinha porta-voz para a imprensa."

Indirectamente, Sócrates respondeu às reservas de Cavaco em colocar o tema dos casamentos gay na agenda quando há outros problemas para resolver. Uma e outra coisa podem fazer-se em simultâneo e "não colide" com as preocupações sociais do Governo nem com a "tarefa diária" do "combate ao desemprego".

Ao contrário do que aconteceu nos últimos dias, em que Belém respondeu a notícias de fontes governamentais que falavam em "intrigas mesquinhas" por causa do cancelamento da última audiência semanal, ontem, contactada pelo PÚBLICO, a Presidência preferiu o silêncio.

Um país sem travões?

Menos azeda foi a troca de argumentos de Sócrates com Manuela Ferreira Leite, que na véspera acusara o primeiro-ministro de fazer "chantagem política" sobre o Presidente e o Parlamento. A presidente do PSD insistiu no dossier do "problema mais grave" do país, o endividamento externo, e na falta de resposta do Governo a este problema. Quis saber como "e a que preço" seriam pagos os grandes investimentos públicos, como o projecto do TGV, embora tenha antecipado a resposta numa frase: "Aquilo que está num comboio de alta velocidade é o país, que há muito tempo saltou dos carris e avança sem travões." Para Ferreira Leite, com tantas dívidas, o país está a perder a sua "independência económica".

Incoerência, clamou Sócrates, por o PSD ter proposto e aprovado o fim do Pagamento Especial por Conta (PEC), que "tira", pelas contas do Governo, cerca de 800 milhões de euros de receita de impostos. E questionou directamente Ferreira Leite. Só que Manuela recusou: "Não me compete a mim responder seja ao que for, estou aqui para lhe perguntar."

O líder do CDS-PP apontou o dedo à forma de governar de Sócrates. "O Governo não teve uma única proposta recusada. Pelo contrário, teve o Orçamento rectificativo aprovado. Há apenas três propostas de lei do Governo", notou Portas, levando o primeiro-ministro a reconhecer que tem legislado por decreto. A aprovação na generalidade pelos partidos da oposição de um pacote de medidas económicas esteve no centro do diálogo entre Sócrates e Portas. Uma das iniciativas aprovadas é a devolução do IVA a 30 dias, proposta que também será discutida no Conselho Europeu. O líder do CDS quis saber o que pensava o primeiro-ministro sobre o assunto. Mas Sócrates preferiu questionar as razões dos centristas ao aprovarem o fim do PEC, "que demorou muitos anos a ser implementado". "Acabar com um imposto que representava 400 milhões de euros numa altura destas, isso é uma irresponsabilidade", insistiu Sócrates.

A compra da Cimpor, que já tinha sido questionada por Louçã, foi um dos alvos do líder do PCP. Jerónimo de Sousa quis saber se a Caixa geral de Depósitos - que detém 25 por cento da empresa - "deve ser o veículo para se manter sob controlo nacional ou o Governo "vai permitir que o centro de decisão [da cimenteira portuguesa] emigre e os lucros também". Sócrates afirmou que o "resultado final da actuação da CGD será no sentido de defender o que se considerar melhor para a empresa", mas a resposta não satisfez Jerónimo.

O líder comunista confrontou Sócrates com o boletim de execução orçamental entre Janeiro e Novembro para o subsector Estado, referindo que a iniciativa para o investimento e para o emprego teve uma execução de 53 por cento. Sócrates precisou que o boletim refere-se "à execução financeira e não à execução física" e que no caso dos programas de redes de nova geração o Governo "só vai fazer as adjudicações agora".

Na última intervenção do debate, a deputada de Os Verdes Heloísa Apolónia voltou às relações com Belém e, pedindo que Sócrates voltasse ao discurso da humildade, lançou-lhe uma pergunta directa: "Está mesmo disposto a governar durante quatro anos?" O primeiro-ministro devolveu a crítica da arrogância e repetiu: "Quem governa é o Governo, com o maior respeito pela Assembleia da República."

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