Ambientalistas reagem ao acordo não vinculativo II

Viriato Soromenho Marques, conselheiro de Durão Barroso para a Energia e Alterações Climáticas e ex-presidente da associação ambientalista Quercus

"O objectivo de Copenhaga era encontrar um pós-Quioto. No fundo um documento que seria um tratado vinculativo para toda a gente, que pudesse acolher países que não estavam em Quioto, como os Estados Unidos e que no fundo permitisse que a elaboração de um documento único. Mas nada disso aconteceu”.

“O acordo não é vinculativo. É vazio. As metas de redução são voluntárias. A única coisa positiva que saiu daqui foi aquele pacote financeiro que só foi possível porque um país deu um exemplo de que ninguém estava à espera, que foi o Japão, que abriu a bolsa de uma forma generosa aos países menos desenvolvidos nesta fase de transição até ao final de Quoito. Mas, para além disto, nada de substancial saiu”.

“Os Estados Unidos, temos que confessar, não lideraram nada. Tiveram uma posição muito defensiva. Eu tenho a certeza que o Obama esteve em Copenhaga a falar para o Senado americano. O seu discurso foi recebido com muita desconfiança pelo mundo. Eu acho que ele teve este discurso defensivo para tentar depois uma vitória em casa. Vamos lá ver se consegue. Mas evidentemente que a cotação internacional de Barack Obama desceu. As pessoas não ficaram contentes com ele, porque fez um discurso que não empolgou ninguém."

“Há muita negociação que vai ter que acontecer até ao México. O que é importante é que haja, nessa altura, um acordo vinculativo. É importante antes de mais que os EUA arrumem a casa e avancem com propostas que possam subscrever. A proposta americana, para já, em termos de metas de redução é fraquinha porque eles estiveram oito anos fora de tudo isto, naquele período de eclipse chamado George W. Bush. De qualquer maneira, para que o México funcione, precisamos da América. Em segundo lugar é preciso que a UE, a China, Índia, Brasil e EUA - os países mais poluidores - se entendam no que toca às metas de mitigação (que tem dois aspectos: a mitigação dos países desenvolvidos - que têm que reduzir mesmo as emissões de CO2 para a atmosfera - e a mitigação do aumento - reduções em relação à linha de base, não em termos absolutos). Em último lugar é preciso perceber qual é a arquitectura jurídica que vamos ter no futuro. Porque no fundo o que temos hoje é uma convenção à qual todos pertencem. Depois temos um conjunto de países, que são a maioria, que são signatários, não só da convenção, mas também do protocolo da convenção (de Quioto). Então em 2010 o que é que vamos ter que decidir? Que, ou continuamos com o Protocolo de Quioto (onde meteremos todos os novos objectivos, como as metas de mitigação, etc., numa espécie de Protocolo de Quioto II) ou se resolvemos acabar com este e o substituímos por um novo protocolo, que pode ser, por exemplo, o Protocolo da Cidade do México, ou ainda se resolvemos o problema com uma terceira via, num regime de dois hemisférios, ou seja, uma parte da comunidade internacional continua aderente ao Protocolo de Quioto, mas alguns países, como os EUA, aderem digamos a uma espécie de protocolo paralelo. O que seria uma coisa confusa”.

Carlos Pimenta, ex-secretário de Estado social-democrata do Ambiente e um dos três negociadores da UE em Quioto

“A minha reacção não é de decepção, porque seria quase um milagre, como disse o Lula, a cimeira ser ‘salva’”.

“Não era possível chegar a mais e, por isso, antes este [acordo] que nenhum. Mas esta cimeira trouxe uma vantagem. Põe à mesa das negociações (sobre as alterações climáticas e sobre os recursos do planeta) países que estavam fora de Quioto e de outros tratados internacionais, nomeadamente a China, os EUA, o Brasil, a Índia e a África do Sul, que juntos têm metade da Humanidade”.

“Na cimeira houve uma luta de vontades entre os países que mais sentem os efeitos das alterações climáticas, os que queriam um tratado muitíssimo mais ambicioso (e provavelmente eles é que têm razão), e os outros países, os grandes, que na prática não queriam obrigação nenhuma”.

“Os desafios estão numa mudança completa do paradigma de desenvolvimento tecnológico. Seria preciso outra maneira de construir casas, de nos deslocarmos, outro ciclo de distribuição de produtos, outro tratamento de resíduos... É tudo outra coisa. Não é possível fechar equação nenhuma de acordo baseado em restrições no modelo actual porque é o modelo que tem que ser mudado”.

“Isto não é teórico. Porque hoje em dia apesar de estarmos longe do modelo de produção de energia a partir de micro-algas, por exemplo, já estamos quase lá. É mais uma questão de vontade política. Veja-se o que aconteceu com as energias renováveis em larga escala. O mesmo pode acontecer com as pequenas: no telhado, na geotermia de baixa intensidade calórica...Há milhões de soluções que podem reduzir a nossa pegada. O nosso impacto”.

“A segunda coisa positiva [da cimeira] foi a introdução de conceitos que se irão traduzir, mais cedo ou mais tarde, em coisas concretas, como por exemplo os mecanismos de verificação, da transparência, que foi o grande ponto de discordância entre os EUA e a China, país que acabou por aceitar os métodos de verificação”.

“O negativo que saiu desta cimeira é o facto de o acordo não ser vinculativo e não haver números que acabem nos 50 por cento de redução em 2050”.

“No México, em 2010, é preciso que saia um tratado legalmente vinculativo, que se conheçam os montantes para o Fundo Verde, que se conheçam com rigor os números das reduções. Falta pôr a carne no esqueleto, digamos”.

Filipe Duarte Santos, coordenador do programa Climate Change in Portugal: Scenarios, Impacts, and Adaptation Measures - SIAM

“Tinha a percepção que seria praticamente impossível produzir um acordo que levasse a metas obrigatórias. Isso era uma coisa previsível. Mas, ainda assim, foi realmente um resultado muito fraco e que polarizou os países desenvolvidos e as economias emergentes, por um lado, e os países menos desenvolvidos e mais vulneráveis às alterações climáticas, por outro."

"O principal obstáculo a um acordo mais substancial terá sido a desconfiança que existe entre os EUA e a China. Mas também o facto de os Estados Unidos virem de uma posição muito antagónica em relação a esta problemática das alterações climáticas, que era a posição do Presidente Bush e, apesar de terem feito progressos muito significativos, há uma resistência muito forte nos EUA em reduzir as emissões, porque o lobby do petróleo e do carvão é muito forte e porque há uma percepção nos EUA, sobretudo no seio do partido republicano, de que a nação tem que ter, a todo o custo, uma hegemonia económica no mundo. E, portanto, reduzir as emissões é algo que prejudica a economia. O Presidente Obama está consciente do perigo mas também não pode avançar muito, sob perigo de que aquilo que ele disser depois não é ratificado pelo Senado".

"Mas também há sinais positivos a reter desta cimeira, nomeadamente o empenho da China em reduzir as emissões de CO2 entre 40 a 45 por cento. Penso que a razão está no facto de a China estar já a começar a sentir os efeitos e os impactos das alterações climáticas, sobretudo no norte, com maior frequência de secas, e no sul, com maior frequência de chuvas e inundações. Mas a China também vê que tem aí uma oportunidade excepcional de desenvolver as energias renováveis e mesmo, porventura, tornar-se líder nesse mercado".

"Em Portugal, o aspecto mais preocupante das alterações climáticas é a tendência para a diminuição da precipitação que será sobretudo notória no sul do país. Na verdade a seca já está a afectar algumas regiões portuguesas, sobretudo a margem esquerda do Guadiana”.

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