Obsessão apaixonada

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Os Beach House prometem tocar “Teen Dream” em metade do concerto

Victoria Legrand, metade dos encantadores e encantatórios Beach House, é uma rapariga despachada. Fala rápido, seguríssima, e atravessa sem pudor a habitual barreira protectora que se ergue numa entrevista. Como sabemos, de um lado está alguém que saberá coisas da vida dela (e ela não sabe quais), do outro, alguém que ela não faz a mínima ideia quem seja. Portanto, normalmente, a coisa entrevista faz-se com recato. Alguém que faz perguntas, alguém que dá respostas.

Victoria Legrand, a voz dos Beach House, matéria etérea e contraditória - dissimula-se gélida mas arde em lume brando -, não é como a sua música. Atende o telefone num quarto de hotel de Berlim e elabora-nos o relatório da situação. Os Beach House acabaram de chegar à Alemanha, vindos dos EUA (Victoria já viveu em todo o lado, mas conheceu o guitarrista Alex Scally em Baltimore), e está cansada. Estar cansada é um aborrecimento: quarta vez que toca em Berlim e nunca teve oportunidade para ver a cidade. Não será desta. Daí a pouco é tempo de "sound-check", depois de concerto e depois disso de dormir e partir para outra cidade e outro concerto.

Portanto, Victoria é uma mulher despachada. Quando nos diz, entrevista avançada, que quem convive com os Beach House percebe que eles não são "assim", já percebemos que não. "Somos monstros difíceis", exagera ela, não "assim". Assim: "predominantemente floridos e etéreos", que foi como viram a música dos Beach House, segundo Victoria, os nove artistas de Baltimore a quem a banda encomendou um filme para cada uma das canções de "Teen Dream" (Victoria realizou o décimo, "Silver soul", e todos serão reunidos num DVD que acompanhará o novo álbum).

Teen Dream

"Teen Dream" é o título do muito aguardado sucessor de "Devotion", segundo disco da banda e discreta maravilha em forma de "torch song" narcótica que, em 2008, transformou os Beach House em sonho recorrente dos melómanos de bom coração. Quanto ao novo disco, tem edição marcada para Janeiro de 2010 e será apresentado amanhã no Teatro Tivoli.

Nasceu em dois momentos. Em Fevereiro, Victoria e Alex isolaram-se em Baltimore, pressionados, como define a vocalista, "pela nossa apaixonada obessão por música onde cada som seja algo em que acreditamos". Meses depois, em Julho, viajaram até Nova Iorque e completaram-no numa antiga igreja reconvertida em estúdio - o seu nome, muito apropriado, é "Dreamland": "Um espaço com uma intensidade muito característica, aquela intensidade que sentimos sempre que tocamos em algo antigo". Acrescenta: "Tem uma igreja acoplada, mas o ambiente não tem nada de religioso, nada de gótico" - e faz questão de acentuar o "nada de gótico", como que antecipando a negação, como se esperasse que ripostássemos algo que não quereria ouvir. A preocupação era desnecessária.

Gótico, apesar da feitiçaria pop que são os Beach House, não é definição adequada à sua música. Menos ainda em "Teen Dream", onde a estrutura minimalista desta música -linhas de teclados evanescentes, uma guitarra em "slide" dolente, ritmo que afaga mais que percute - parece engrandecer-se de elementos e exibir uma exuberância que não lhes conhecíamos antes: um onirismo pulsante, diríamos. Victoria ouve-nos e contextualiza: "O nosso primeiro disco ["Beach House", 2006] foi gravado em dois dias, o segundo ["Devotion", 2008] foi composto em digressão. A este dedicámos muito mais tempo que aos anteriores". Neste, queriam trabalhar uma "dinâmica mais imediata", um "movimento" diferente. "E também procurar sensações mais imediatas, mais tangíveis. Os outros discos eram um flutuar no passado. Agíamos como que ausentes. Este, sentimo-lo vivo". Nada de pânico. Luz baixa e sombras difusas continuam a ficar-lhes bem. Estes ainda são, decididamente, os Beach House: "Não é um grande salto, limitamo-nos a evoluir naturalmente". De facto.

A música pode ser mais texturada, mais plástica e mais ampla, mas esta continua a ser a banda que descobriu como fazer de melancolia estilizada uma pose pop. "Teen Dream" mantém-nos na direcção certa. A mesma, entenda-se. Está tudo nas palavras de Victoria: "À medida que envelheço, lentamente mas rápido demais, penso que gostaria de voltar atrás. Não por nostalgia, mas para ter aquela intensa e inabalável convicção nas coisas em que acreditamos. Vivendo o que quer sejam os Beach House, damos por nós num estado obsessivo. E aí, claro que o amor adolescente é uma inspiração. Há tanta coisa ridícula a que os adolescentes se agarram com fervor, mas também há sempre algo mágico nesse apego". Amanhã. Amanhã será então tempo de confirmar o que há de novo nestes "velhos" Beach House.

"Vamos tocar ‘Teen Dream' em metade do concerto". É Alex Scally quem o diz, acabado de entrar no quarto berlinense de Victoria. Recorda-se bem da anterior passagem por Portugal, em Novembro de 2008, quando os Beach House tocaram em Portalegre, no Porto e em Lisboa. "Lembramo-nos desses concertos por duas razões. Primeiro, estávamos a chegar ao Inverno e sentia-se muito frio em todo o lado mas, quando chegámos, o sol brilhava. Depois, vínhamos de Itália e Espanha, onde o público fazia muito barulho. Em Portugal, pelo contrário, as pessoas ficavam silenciosas, quase reverentes". A voz sorri: "Foi tão intenso que quase temos receio de voltar..."

Amanhã, Alex. Amanhã será tempo de saber se o reverendo público português é  ainda reverente.

Beach House
Teatro Tivoli. Amanhã, às 22h15

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