Antes de falar aos americanos, Obama já deu as primeiras ordens de reforço militar

Foto
Os EUA poderão enviar 30 mil soldados suplementares Bruno Domingos/Reuters

Ainda antes de falar, informou no domingo à noite os chefes militares e deu as primeiras ordens para pôr em marcha o plano. É uma decisão marcante para o seu mandato e para o estatuto mundial dos EUA.

Ontem, Obama informou uma comissão bipartidária do Congresso e telefonou aos presidentes francês e russo, Nicolas Sarkozy e Dmitri Medvedev, e ao primeiro-ministro britânico, Gordon Brown. Encontrou-se pessoalmente com o chefe do Governo australiano, Kevin Rudd, de visita a Washington. Estava previsto telefonar à tarde ao Presidente do Afeganistão, Hamid Karzai, e do Paquistão, Asif Zardari, informou a Casa Branca.

Obama vai apelar a um maior contributo dos aliados da NATO. Terá pedido a Sarkozy um reforço de 1500 homens. Paris, com 3750 soldados no terreno, tem recusado qualquer aumento de efectivos. Brown anunciou o envio de mais 500 homens.

O assunto será abordado numa reunião ministerial da NATO, a 3 e 4 de Dezembro, em que participará Hillary Clinton. O secretário-geral, Anders Fogh Rasmussen, declarou que os membros da Aliança "precisam de tempo" antes de responder.

Convencer o Congresso

O debate sobre a nova estratégia dura desde Setembro. Obama tem de convencer o Congresso, em particular os democratas, e a opinião pública americana, que está dividida. As sondagens indicam que 46 por cento dos americanos apoiam um reforço militar e 45 se lhe opõem. O fundamento das dúvidas, mais do que estratégico, reside no custo do reforço (um milhão de dólares por soldado), num clima de crescente desemprego e de elevado défice. Também a fraude nas recentes eleições afegãs fez crescer a dúvida sobre o que estão os EUA a fazer no Afeganistão.

Muitos congressistas democratas, para lá das preocupações com a sua base eleitoral, temem que o surge (reforço militar) seja o início de um atolamento, como no Vietname, um fantasma que ainda não se dissipou. Obama terá também de persuadir os republicanos mais radicais de que dá aos generais os meios suficientes para vencer.

Nancy Pelosi, líder democrata da Câmara dos Representantes, não cessa de acusar Karzai de corrupção e de ser "um parceiro em quem não se pode confiar".

O senador Carl Levin, presidente democrata da Comissão de Assuntos Militares do Senado, denunciou no domingo o desproporcionado custo do reforço militar face às necessidades económicas e sociais internas. E concluiu: "A chave está num surge afegão, não num surge americano", disse. "Nós não podemos, por nós próprios, vencer a guerra."

É possível vencer?

O debate tem sido sempre colocado em termos de dilema. Uma retirada precipitada, quando os taliban estão na ofensiva, arrisca-se a produzir a queda do Governo de Karzai e uma debandada, com repercussões perversas no Paquistão.

Por outro lado, os EUA não dispõem no Afeganistão de um governo eficaz e legítimo para que a estratégia de contra-insurreição, assente na segurança da população e na reconstrução económica, possa resultar. E muitos duvidam que mais 30 mil homens mudem significativamente o quadro militar, temendo que a insuficiência depressa leve os generais a pedir mais reforços, conduzindo ao atolamento e à derrota, com inimagináveis consequências para os Estados Unidos e para o sistema internacional.

A longa "hesitação" de Obama deve-se a muitos factores. Ele tem em mente um "cenário de saída", em que possa proclamar: vencemos e deixamos o conflito aos afegãos. Para isso, quis ter garantias de que o plano do general McChrystal não levará a uma escalada nem a um envolvimento por mais oito ou dez anos, como profetizaram alguns especialistas. Quis ainda garantias de que a situação política afegã melhorará, de que será possível criar um Exército afegão, suster o ímpeto dos taliban e tornar possível uma negociação com eles. Todas as decisões serão uma aposta.

Sugerir correcção
Comentar