26 mulheres mortas desde o início do ano em Portugal

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A União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) contou menos vítimas que em 2008, mas os números são ainda provisórios Paulo Pimenta (arquivo)

Maria José Magalhães, a nova presidente da UMAR, tem os olhos postos na grelha construída a partir de notícias de jornal: "São dados ainda provisórios." Quantas notícias podem ter escapado? Quantos dos 42 homicídios tentados podem ter-se convertido em homicídios consumados?

No ano passado, o Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA) somou 45 homicídios consumados. Atendeu a descendentes directos e a outros familiares. Mortas por marido, companheiro ou namorado, ex-marido, ex-companheiro ou ex-namorado eram 40 - um pico sem explicação aparente: em 2007, foram 20; em 2006, 31; em 2005, 31; em 2004, 31.

Magalhães chama a atenção para o facto de algumas mulheres terem sido assassinadas depois de terem posto fim à relação (nove dos 25 homicidas encaixam na categoria de ex-marido, ex-companheiro ou ex-namorado). E para a idade das vítimas (seis com idades compreendidas entre 18 e 23 anos e 11 com idades compreendidas entre os 24 e os 35). Nalguns casos, havia queixa. "De algum modo, a sociedade não tem garantido a sua protecção", interpreta.

Os números reflectem a atenção que os meios de comunicação social dão - ou não - ao fenómeno, haveria de comentar, por telefone, a secretária de Estado da Igualdade, Elza Pais. "A violência doméstica está mais visível e é mais intensa. As mulheres estão a reagir cada vez mais à violência e quando as reacções não são apoiadas podem suscitar retaliações que podem ter consequências extremas. A solução não é não fazer frente. A solução é fazer frente, pedindo ajuda."

Marlene Matos, professora da Escola de Psicologia da Universidade do Minho, está de acordo: "Nos últimos 30 anos, as mulheres redefiniram o seu papel na sociedade e nas relações. Antes, só tinham deveres. Agora, também têm direitos. Têm direito, por exemplo, a serem valorizadas, a não serem menorizadas. Toleram menos as relações abusivas".

O risco da indiferença

Atrás de Maria José Magalhães há um cartaz vermelho, rectangular: "Grita! Grita mais alto! Grita ainda mais alto para que os teus vizinhos te ouçam e possam gritar contigo. Para que todos e todas possamos gritar contra a violência sobre as mulheres e contra o homicídio conjugal."

"A mentalidade está a mudar", acredita o professora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. Até 2006, com alguma frequência, surgiam notícias dentro das quais cabiam vizinhos a atestar surpresa e a desculpar o agressor: "Ainda aparece um ou outro a dizer mal do agressor, mas já não é vulgar". Agora, os vizinhos falam de queixas. Num dos casos, a GNR já lá fora três vezes e noutra sete.

"Cada vez há mais pessoas a apontar o dedo", corrobora. Ainda é invulgar, porém, qualquer vizinho ou familiar denunciar um caso. Apesar de ser público, o crime tende a chegar às esquadras da PSP e aos postos da GNR pela boca das vítimas. Atoladas na ambivalência, muitas morrem sem antes pedir ajuda.

Na opinião de Maria José Magalhães, tem falhado a avaliação do risco: "É preciso levar os sinais e as ameaças a sério. Muitas vezes, as pessoas dizem: "Ela ameaçava, nunca pensei que chegasse a este ponto". Há uma atitude de benefício ao agressor. Em caso de dúvida, é preciso pecar por excesso e por defeito, dar o benefício à vítima e não ao agressor".

Marlene Matos também acha que "o risco nem sempre é realisticamente avaliado". "A própria vítima nem sempre consegue avaliar o risco", enfatiza. Tem de haver quem o faça por ela. Não é tudo: "Tem de haver uma punição associada a este comportamento. O número de condenações é muito baixo. Se calhar, quem pratica este tipo de crimes ainda não se sente punido ou vigiado".

Sopram promessas de mudança. "A Secretaria de Estado está a fazer a monitorização das situações que acontecem", adianta Elza Pais. "Quando os casos já estavam sinalizados tem de se ver o que falhou e chamar à responsabilidade".

Deposita esperança na nova lei da violência doméstica, que entrou em vigor em Setembro e carece de regulamentação. Desde logo, porque "permite à polícia deter o agressor sem ser em flagrante delito, o que evita situações dramáticas de perigo iminente". Há um alargamento do quadro jurídico.

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